quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Nada mais tenho a não ser este espaço a céu aberto, este ambiente crepuscular a lembrar o declínio dos dias.
De ti conheço o sabor do tempo, o lugar da memória a convocar a musicalidade das aves e as orações dominicais. 
Há muito que partiste! 
Aprendi devagar o alfabeto da ausência e o caminho sinuoso que se situa entre a lembrança e a memória. 
Podia agora, apenas, contemplar o mar em chamas,o corpo a declinar na sombra do sol. 
Podia esquecer as manhãs em que trocamos as palavras e os corpos.
Podia lembrar o tempo que foi de luz a iluminar o caminho.
Contigo aprendi o dialeto da luz e da sombra. Da construção e da ruína.
Contigo aprendi a amar o silêncio e o vazio, o espaço tão repleto de nós. 
Contigo aprendi a olhar o futuro. Incerto.
Ensinaste-me tanto desse lado do universo. 
A guardar a esperança!
A contemplar a beleza das pequenas coisas. 
A olhar o céu e sentir o teu abraço. 

São Gonçalves 

Foto -Camilo Rego.
Invento a cada manhã a luz que me guiará nas horas de inquietude. Nesta calmaria, converto algum desalento em esperança. 
As águas confundem o espírito. 
Os deuses habitam o espaço.
É sagrado o templo. Das árvores escuto o rumorejar do vento, e do tempo. 
E eu, aquieto- me aos desígnios das sombras. Descodifico nelas os sons do mundo, algumas incertezas. A desordem interior do lado material doshomens.
Sei que tudo o que sinto é passageiro. Sei que as palavras deixarão algum dia de fazer sentido.
Por isso me deixo deslizar neste lago de águas límpidas, espelho de alma liberta.
Quem sabe me vejas neste espelho, quem sabe, invocaras as velhas lendas celtas onde noutros tempos me transformei nos antigos rituais do solstício.
Quem sabe um dia entendas o signo visual dos cisnes em liberdade.

São Gonçalves.
Foto - Camilo Rego.
Mesmo que seja tarde aprendemos o valor do silêncio. 
A angústia pesando nos ombros, o preço do abismo.
Um filho que tarda
Uma tremura na alma, a voz conciliadora do universo. 
São tantas as dores
As minhas e as que carrego escondidas dos dias.
Tento olhar o infinito
Digo ao coração a verdade apaziguadora.
São tão poucas as coisas que me protegem.
Ameaçadora a realidade impõe -se.
O peso das dores do filho
A solidão dos dias vazios.
O murmúrio das vozes ausentes.
Sempre ausentes
Murmurantes.
E o silêncio, sempre
Habitáculo do transcendente
Ressonância da alma
Transversal
Contemplando horizontes , mutações
Metamorfoses.
A vida a tatuar as cores na pele acobreada dos dias.

São Gonçalves.
Subtrai -se ao medo o arquétipo do entendimento, a beleza deixou de ser um fenómeno intocável, aniquilam-se as máscaras de belezas artificiais, véus de seda a confundir o olhar, no inconfundível brilho a afrontar o entendimento dos homens. 
Tanto mundo, tanto universo ainda a desbravar, não há beleza efémera que substitua a profunda estética da realidade intocável. 
Se de mitos se constrói a originalidade primeira do mundo, narrativas seculares a fundamentar a evolução do universo, não é na razão que se modelam o ideal dos sonhos.
Subjaz ainda no inconsciente da humanidade a visão de mundos paralelos, o mito do intocável transcendente. A metafisica a explicar o inexplicável. Teorias vastas narrando as profundezas e a imensidão estelar.
Dualidades platónicas a explicar o significado da sombra e da luz.
O ideal de um mundo à procura de sentido.

São Gonçalves Coletânea Livro Aberto 2017
Às vezes apetece - me tanto escrever o que vejo, o que sinto.
Às vezes são tantas as palavras a extravasar de uma nascente de invisíveis emoções, dos encontros e desencontros, no afã dos dias. 
Da beleza e da fealdade do mundo, da fragilidade dos laços e da imensa sensibilidade a galgar as margens de uma vida de palavras e de silêncios, de dias de sol luminoso e de abruptas tempestades. 
Às vezes, calo -me e só o silêncio transmite o tão desejado alento. 

São Gonçalves.
Contemplo o voo das aves e afago a ternura das manhãs. Há em mim um sopro de luz a iluminar o horizonte. 

Há mim mil segredos de sentimentos esquecidos!
Há o teu nome e o teu beijo!

São Gonçalves
Digo silêncio, e oiço o murmúrio vindo dos confins da memória.
Ensaio reencontros, tentativas vãs de não deixar morrer os abraços, os laços!
Viro -me do avesso da vida, o rosto colado a muros existenciais.
Corro, rasgo os joelhos no asfalto, sangra a vida por momentos.

Olho para lado de fora da janela, ausente a vontade de recomeçar o que não pude dizer.
Sei que amanhã o sol nascerá em mim
Sei que amanhã serei palavra, rima e poema.