domingo, 21 de fevereiro de 2016

Dia internacional da língua materna.

De ti a vida e a luz
De ti o ventre e o silêncio
O caminho e o encanto 
A música e o canto
De ti o começo
O recomeço
A prosa e a poesia
O desabrochar dos dedos
Da silente alquimia
De ti a maternidade
O nascimento e identidade
De ti a pátria
De ti o começo do entendimento
De ti. ...
Todo o conhecimento.

São Gonçalves.

Eu podia mostrar um outro lado da vida 
Dar uma de snob, só falar Francês 
Mesmo com defeitos 
Vestir Chanel 
Usar sacos da vuitton
Eu podia ser outra.
Ser outra ,ser maior as olhos do mundo.
Dizer que leio Hugo ou Proust
Rimbaud ou Malraux
Ao contrário
Leio Pessoa
Eça e Camilo
Eu podia mostrar o outro lado de mim, o outro lado da vida.

Sou Portuguesa, e para mim isso é tudo.
O olhar de nostalgia
A minha língua,
A minha identidade
O meu princípio
O meu fim.

A raiz e a nascente
A luz e a eternidade.

São Gonçalves.
Na geografia da ausência 
Ultrapassas o silêncio e o medo 
De vales e montanhas 
Ensaias um salto no infinito 
O mundo não é grande quando o atravessas durante a noite 
E de mansinho me abraças
Sem palavras .

Trazes contigo a luz e a esperança
E ao acordar
O meu mundo é menos tortuoso.

São Gonçalves.

Foto - Abe Blair.
Diziam -lhe que se tinha fechado, costurado a vida em pedaços, fragmentado os afetos. 
Diziam -lhe tanta coisa. Os homens sabem sempre tudo, sem nada saberem. 

Mas ela escondia - se nos movimentos inadequados dos seus passos, na quietude das palavras, no sentimento incarcerado à séculos dentro da pele.

Os homens sabem tão pouco do silêncio !

São Gonçalves
Tocar o silêncio com os dedos , sentir a dor a soprar no peito, 
O pesadelo do mundo, a vontade asfixiante de realidade. 
Essa crueza a invadir o pequeno quarto. O corpo exausto, 

O rodopiar cristalino da respiração 
O ardor da solidão
Inscrita na pele
Na ponta dos dedos
No embaciado da janela.

Olhar o mundo lá fora esperando por ti, a ausência das palavras

Da tua boca nada floresce
É inverno no corpo e no descampado do espaço onde gravitas. Ouves os silvos do vento, cordas musicais a vibrarem dentro peito.

Na ponta dos dedos o silêncio desenhando a coreografia do vazio.

São Gonçalves.
Há uma ferida sangrando no canto da casa, 
Um aflorar fininho de dor 
A nostalgia a invadir os sentidos 
Devagar 
Tão demoradamente inquietante
A sombra de ti, de mim
Os gestos silenciados no tic tac das horas.

Há uma lembrança de toque
De sabor a beijo
Há um corpo cansado
Alquimia de desejo.

São Gonçalves.
Insondáveis os desígnios da natureza, esse desassombro inexplicável de divino, 
Essa luz, vigília dos mais soberanos cansaços.

Para quê questionar o que se sente
Telepatias profundas a sondar a mente, se é neste mistério divino que tudo se resume. 

O silêncio a acalmar os mais variados anseios, a luz a iluminar as trevas, a coragem a renascer por entre as tempestades.

contemplo a âmbar do céu, essa tonalidade doce de sabor a mel e canela, e sei neste momento que tudo faz sentido

O corpo e o espírito desenhado na aproximação ao divino, a luz crepuscular e iluminar os sentidos.

São Gonçalves.

Foto - Graça Feijó.
Escrevo-te no meio do turbilhão dos dias, neste descampado de silêncio,
Escrevo-te com palavras simples
Como é simples o sentimento que nos une, que nos aproxima.
Procuro-te na escassez do tempo, na precaridade das horas
São imensos os silêncios, as ausências
As minhas …
És -me necessário, és o equilíbrio e o refúgio
A saudade do mundo construído de sigilos

És a memória do tempo partilhado na infância
As gargalhadas inconscientes da juventude

A ausência e a pertença, o tempo dos abismos e do amor!
A singularidade generosa!
O tempo dos afetos e dos mistérios
O laço e o abraço!

És amigo!

São Gonçalves
Guardas do dia a luz
Num sobressalto 
Escondes toda a tua nudez
Vagueias pelas noites escuras 
Perdida na voracidade da noite
Na tua sombra
Corres, avanças, sem medo
O abismo não te amedronta
As noites sem claridade.

Guardas uma metade de luz
Uma metade de sombra

Um pedaço de vida
um pedaço de morte
Um corpo cristalizado entre as profundezas
E a noite cerrada.

Aceitas o estremecer do corpo
A penumbra a desfazer -se
As horas, os dias, as semanas
A metamorfose das estações.

Suportas a alternância dos equinócios,
A magia enigmática de uma noite sem o beijo prateado da lua.

Agora, lua nova, mensageira dos mais soberanos mistérios sagrados.

São Gonçalves
Maquilha - se a dor e o medo 
Veste -se o rosto de véus 
De tons de cinza e preto. 
Esconde -se o grito e a palavra 
Num gesto mudo 
Escreve - se a vida
A dor da carne
A dor da alma.

De pequenos nadas se escrevem os instantes
É talvez a única maneira de resistência ao vazio.

São Gonçalves.
Já tinha sido assim com o seu avô, com o seu pai, todos os anos as águas galgavam as margens do pequeno rio e inundava a aldeia.

O rio a ignorar o tempo e os homens num desassossego invisível, a natureza inconstante invencível, a transtornar a organização das gentes, tudo tão precário na passagem do tempo.

A solidão a impor-se a despir as vontades e os desejos num tecido já frágil, a invadir os terrenos alagados transformados num mar de cor cinzenta escura. A aldeia votada ao silêncio das águas e à forte corrente do desespero.

Pela manhã o vento calmava o seu furor, a brisa matinal desenhava silhuetas na sombra das águas, o sol brilhava sobre aquele leito onde se escondiam os detritos de um rio voraz e violento. As mulheres ficavam em casa, as crianças subiam ao monte mais alto para contemplar a aldeia, esse mar inesperado isolando o mundo.

Era então que tu saías de casa, botas altas, o cigarro no canto da boca, e te fazias a esse mar de águas calmas. A bateira, pequena embarcação de três tábuas, fazia-te atravessar o espaço, o tempo, a memória. Com a vara, cortada aos salgueiros na última primavera, empurravas a bateira, empurravas a vida, e empurravas a tua própria solidão. O vento suave abraçava-te, puxavas de mais um cigarro e esquecias momentaneamente do teu propósito de vida.

Apesar de todo o avanço tecnológico, do tempo em que tudo se compra, tudo se vende, das grandes autoestradas a rasgarem e a dividirem os campos e aldeias, apesar da aproximação virtual dos computadores, dos telefones, dos grandes espaços comerciais, apesar de toda a transformação social e coletiva, aquele era um momento de conexão com o antepassados e o seu mundo presente.

Naquele espaço, com água a perder de vista, a aldeia isolada, um homem enfrenta a sua solidão e a sua frágil existência.

São Gonçalves

Foto-Luis Jesus
Nós não temos todos os dias o mesmo rosto, o mesmo olhar, o mesmo cansaço, a mesma vibração, o mesmo tacto. 
Temos sim, o mesmo silêncio, a mesma luz, a mesma força invisível. 

São Gonçalves.
São simples os gestos e a ternura 
A mão estendida na sombra da tarde ! 
São imensos os caminhos do coração, o silêncio de um sentimento sem dono. ...

São poemas os desígnios da natureza, metamorfose de uma tarde de outono ! 

São Gonçalves.

Foto - Camilo Rego
Nem sempre é tão fácil descodificar os sinais do cosmos, a mensagem dos deuses, desenhada na imensidão do espaço. 
Contemplo, olho, nuvens escuras , mensagens míticas da desesperança. 
E na imensa massa escura, uma luz clara desenhada a horizonte, trasporta -me ao silente mundo da luz, ao imenso momento de plenitude precária e efémera ..

São Gonçalves 

Foto - Edite Melo.
Na sombra do corpo 
Escuto o som da silente ternura 
Fogos ardem ao longe 
Aproximam-se 
Desvedam mistérios 
Tanto tempo
Tantas sombras internas .

Desenhámos a saudade nas cinzas arrefecidas.

Trocámos o sol e o silêncio
Pela brisa do fim de tarde
Acariciando os corpos

Rasgàmos as memorias e as coisas
Escondemos os sentimentos até à exaustão.

mas é ao fim da tarde que a luz do sol é mais intensa.

São Gonçalves

Foto - Luis Jesus.
Há uma tarde que se deita nos lençóis da pateira.
Cinzentos os céus, a vagarosa descida da luz a horizonte.
Não é mar, nem plenitude
É inquietação
Medo 
a maré cheia de sargaço
O limiar de todo o cansaço.
A terra acorda de madrugada
Presa por um leito transbordante
Não há vozes nem gemidos
Não há vento que amaine
A luta
Há um por de sol sereno
Na verticalidade da noite
Há um tilintar de campainhas
Esperando a calmaria da alvorada.

São Gonçalves

Foto - Tiago Paço.
Surge um oásis na aridez da serra.
Na passagem das estações, ergo - me despida no coração do xisto. 
São tantas as solidões que por mim se cruzam. A minha olhando deste lado o mundo. A dos homens perdidos nas encruzilhadas da serra. 
São cinzentos os ecos dos homens, vultos erguidos enfrentando as fortes rajadas dos ventos agrestes, nascendo do outro lado do monte . Sou testemunha do abandono, da vontade dos homens de viver uma outra vida. Vejo -os partir, carregando no peito a saudade. Colado ao corpo, o odor das urzes...
O inverno surge violento e agreste. Aqui debaixo deste céu claro e azul, comovo - me com o canto dos pássaros,com o som dos sinos na aldeia Com o violência da solidão da serra.
Aqui me ergo orgulhosamente, aqui despida de glórias acordo beijando o sol.

São Gonçalves

Foto - Camilo Rego.
Eu não tenho palavras que saibam desenhar o voo das aves
Esse encantamento atravessando o céu
Mas sei, conheço, sinto
O voo com que rasgo os dias e as noites
A esperança leve dos dias vazios!

Amanhã é outro dia
O espirito não descansa

Danço um bailado silencioso
Entre o apego às coisas
E a imaterialidade do mundo!

Quantos voos serão precisos para vencer os desafios da vida?

São Gonçalves.
Foto-Antonio Mattozi
Das tuas mãos, crescem cidades com a brisa da tarde
O encantamento das horas sem alvoroço
O tempo é aqui um rio calmo e sereno
Nada reflete a opressão dos anos!

Não existem corpos curvados
Nem casas abandonadas, nem o cinzento pardo da dor
A solidão ausentou-se!
Sente-se a vontade de alcançar um sentimento maior.

A serenidade é a cor com que desenhas os dias
As mãos estendidas na dádiva da luz!

Eu sei que um dia haveremos de passear nas ruas destas cidades
Olhar o céu, contemplar as fações da luz
O silêncio da cor

Neste encantamento por ti inventado
Alcançaremos um mundo melhor….

Por agora apenas contemplo a cidade
Onde passeiam os deuses
Figuras presentes na tua cidade serena.

São Gonçalves.
Não há resposta certa para o medo, para o desencanto ! 
Não há nenhum silêncio no bico das aves, nem na vastidão das ondas ! 
Há talvez, a ignorância de quem tudo julga saber. 
Há o meu corpo !
Há o meu eterno desassossego
Emergindo do nada !

São Gonçalves

05 /01 / 16
Se quiseres estarei aqui entre o silêncio e a nostalgia, amargando as ausências espelhadas nas profundezas do universo. 

Avassaladora esta inquetude, este marejar de lágrimas que se prolongam na travessia das noites. 

São Gonçalves.

Imagem-Olga Markowska