sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Agarro nas mãos a força de todo o desassossego, essa vibrante inquetude do tempo que passa. 

Maravilhada de sentidos, toco docemente a filigrana das paixões, esse toque de doçura e áspera ternura aflorando a superfície da pele. 

Sinto na minha pele o poder transformador das palavras, a semiose a trasntornar o sentido do sol e da luz.

São Gonçalves.
Cai a noite, devagar no espelho das águas. 
Aconchega -se o silêncio a um abraço tímido nos troncos das árvores. 
Não se ouve o chilrear dos pássaros 
Nem o som dos passos. 

A lua vigilante e companheira
Abriga -te da solidão .

Trazes a noite nos braços e só tu sabes que alguém te espera na invisibilidade do tempo.

São Gonçalves.

Foto - Luis Jesus
Diz -me dos dias e das dores da terra, 
Diz - me do útero acolhedor e eterno, 
Diz -me das chuvas e dos vendavais, 
Diz - me do silêncio 
Do murmúrio das fontes 
Dos passos na folhagem da floresta
Diz-me do cântico dos pássaros
Da beleza singela das flores.

Diz -me da beleza do mundo
E eu mostro -te as dores do povo
O lado errante da vida !

São Gonçalves.
De que nos serviria a luz se não soubéssemos contemplar a sombra ? Esse avesso de nós, o duplicado invisível do corpo, da alma, dos gestos.
O avesso da materialidade, a contemplação do vazio. ...

Às vezes, tantas vezes, é a sombra de nós que se reflete nos muros, no chão, no velho espelho da casa, que nos diz da profunda realidade, da vontade de ser um gesto, uma palavra, a voz e o silêncio domundo.

O desenho dos contornos da matéria, o corpo silenciado na finitude , a precariedade avassaladora dos dias, a direcção do infinito.

São Gonçalves.

Foto - Ana Souto DeMatos.
Insinuante o bailado das águas 
Os traços de luz girando 
Na força do vento . 

Corpos azuis divagando 
Na superfície aquosa
Sensuais os movimentos
Imagens líquidas
Flutuando no espaço.

Aquieta -se o pensamento por momentos,
Aspira-se a cor e a luz.

Intensificam -se os sinais e os signos,
Acalma -se o fervor das águas, as tempestades
E volta - se ao sentido primordial do mundo.

SãoGonçalves. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O movimento da luz arranca-me ao torpor dos dias cinzentos, rasgo o ventre da terra devagar, a solidão abriga-me das tempestades. Trago na memória os dias ensolarados da infância, esse murmúrio de vozes e de sons, de melodias embelezando o espaço. 
Sinto-me Perséfone vagueando pelos prados, colhendo flores, sem sequer precaver o perigo.
Sinto a luz renascendo das trevas, o toque da tua mão forte arrastando-me nos campos, soprando o fulgor da vida.
Não há homens, nem mulheres, somos apenas duas almas vagueando num ermo estranho.
É a tua voz e a minha ecoando sobre as montanhas, é o mundo de signos a renascer do inverno, do que resta do frio e da geada.
Esqueço de tudo, do que fui, do que sou, desse amontoado de palavras que designam uma alma em construção, esqueço-me do mundo, das errantes caminhadas sem evolução.
Renasço no coração da terra, insegura, frágil, sensível,
Apenas a voz da primavera me comove
Apenas o som do silencio me consome!

São Gonçalves.

Foto-Ana Souto de Matos.
Distancia

Arranquei ao poema a luz
Desviei os olhos das palavras
Doridas
Amarguradas
Soletrei nas ausências palavras soltas
Amores desgastados e ausentes
Guardei num baú de madeira
Os sonhos
O cheiro das flores e do feno
O cheiro dos corpos
Da maresia!

A mulher que vejo ao longe, já não me diz nada
Nem dos silêncios, nem do sabor do sal

Entre mim e ela
A invenção da distancia
Alojou-se devagar nos poros.
Rasgou-se a carne e os panos de tanto esperar
Nos olhos desenhou-se o pranto
E a distancia se fez a-mar.
São Gonçalves.
Demoro - me na placidez do azul matinal, numa espera primaveril de luz clara. 
Demoro - me no abraço silencioso que me dás, na presença de um perfume de acácias. 
Demoro -me na lembrança da velha casa de infância, no odor da terra lavrada. 
Demoro -me na imagem na plenitude da ternura. 

São Gonçalves.
Como não amar a fragilidade, o silêncio, o deslizar manso das águas pelas áridas serranias ? 
Como não sonhar com a luz da madrugada, com a esperança de um acordar sereno e feliz ? 
Como não sentir na pele a carícia do vento?

De tantas e pequenas coisas me transformo, no brilho das águas, no espelho quieto das memórias , no abraço silencioso das árvores, no brilho das estrelas errantes ! 

De cinza me visto e me faço mulher madura.

De madrugadas claras acalmo os anseios de futuro.

São Gonçalves

Foto - Ana Souto DeMatos.
É aqui que renasce a esperança 
Na serenidade crepuscular das coisas invisíveis 
Nesse abraço gigante ao horizonte 
Nesta luz silenciosa 
Nesta cidade de sombras pacíficas ! 
É aqui que se abraçam os deuses
E se abatem sem piedade os temores !

É aqui que se movem os dias
E se adormece os cansaços.

São Gonçalves.

Foto - Graça Feijó.
O que é um dia pleno ? 
É um dia onde moram os desencantos e a esperança nas palavras que não formam eco. 

São Gonçalves.
Nada me trás a eternidade 
O corpo grita 
O desassossego sombrio 

Não sei se é de ausências 
O tremor da pele

O abismo negro das noites

Pudesse ouvir a tua voz
A sombra do teu corpo
A derramar centelhas de luz
No meu peito.

Pudesse fugir da inevitável melancolia
Deste abismo invernal
Onde me percepito !

Pudesse silenciar todas as memorias
E ser náufrago num mar inventado.

São Gonçalves.
Olhares.

É por dentro que observo o universo
Num olhar silente e mágico
A alegria a colorir a manhãs
E o pranto abraçando as noites!

Minha alma é feita de mil retalhos
Afetos desnudos
Num labirinto de cores exóticas

É por dentro que o olhar é mais denso
Terra lavrada a sangrar
Ou a esperança a renascer
Nas manhãs orvalhadas.

O mundo é tão cruel e distante
E só a solidão me ilumina
O olhar cansado de multidão!

São Gonçalves

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Silêncio é a palavra 
O mote do desalento 
Chove lá fora 
As mãos vazias 
Sopra o vento 
No coração !

Agarro ao peito
Pedaços de luz
Iluminando a escuridão !

São Gonçalves
Inauditos os dias sem luz 
O corpo franzino a contemplar o mar, a nostalgia palpável na obscuridade da noite, a segredar -te reflexos ancestrais. 
Quieta, a respirar do fundo toda a energia do oceano. 

Já não conheces o caminho certo para a luz. 
Liberta -te
Gritam as vozes que trazes dentro do peito
Liberta-te
Ouve o canto dos pássaros, e o gemido das acácias
Sente a brisa da primavera
Corre
Desfaz as amarras do medo
Grita com a força das gaivotas em dias de tempestade

Não esqueças da renovação na festividades da primavera.

São Gonçalves.

Imagem- will Barnet
É preciso coragem sim. É preciso coragem para ir em frente, para sentir a vertigem do vazio, e mesmo assim, encontrar palavras, abrandar o ritmo do coração, fechar os olhos por momentos, indagar os deuses e a força do universo, e deixar o instinto fazer o resto.
São Gonçalves.

Foto-Yaroslav Gerzhedovich

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Invade - me este sentimento de assombro diante da grandeza do universo, esta incerteza que nos consome os dias, as noites, as estações. 
Debaixo do sol, tanta vida a germinar lentamente na passagem do tempo , o medo e a coragem a trespassar a pele na efémera passagem das horas. 
Contemplo a beleza do espaço, a a força primordial a acalmar o medo que invade a cidade. 
Ambíguo este sentimento a um espaço que já foi ventre, que já foi colo, o princípio de tudo.

Resta -me esta beleza a transgredir o estado natural das coisas.
Resta -me a plenitude de um sol a beijar o crepúsculo da tarde.

São Gonçalves

Foto - António Lopes Martins.
Em silêncio se estendem matizes de luz, em silêncio se constroem cidades.
É em silêncio que nasce o poema e a utopia nascente.
De imagens do passado, de uma viagem ancestral, te vejo erguer em colunas de azul.
Na encosta do mundo, ali permaneces entre a frágil essência humana e a camada etérea de luz iluminando o espaço.
Na opacidade da rocha, surge a força de equilibrar os sentidos, filigrana a querer desabar, sustida apenas numa amálgama de astros cintilantes. 
Da rocha, amplifica -se a memória, e o tempo gasto.
Desse tempo ancestral, apenas os ecos de luz trazem ao corpo endurecido retalhos de plenitude.
São Gonçalves.
Tela - Edite Melo.