domingo, 17 de maio de 2015

A prece não chega para nos renovar-mos. Será preciso aceitar, aceitar o desafio do tempo, a inércia do cansaço, a vibração da dor. 
Aceitar a penumbra do vazio, essa irreparável perda da inocência .
Aceitar que o sonho vive algures num lugar inatingível, e que será preciso não desistir de o tocar. 
Aceitar que a nossa vida não depende apenas de nós, que será preciso renunciar por nós e pelos outros. 
Aceitar! !!
São Gonçalves.
Contemplamos as vagas e os ventos 
Das tempestades colhemos o sabor amargo da raiva
E na planura das águas a temperança!
São Gonçalves.
Teria o teu nome gravado em todas as coisas , e nunca mais te perderias no oceano escuro e frio.
A morte levou de mim parte do teu ser, e tu dizes -me ainda do colo que embala os dias e as noites. 
As camélias ainda florescem na primavera, e a memória resgata do passado o odor dos teus cabelos cor de trigo. 

Fechei a dor num livro de palavras, onde te lembro todos os dias
A cicatriz ainda dói no coração do poema

e a tua sombra segue me de perto
O perfume das camélias
Enche a casa

E eu regresso ao mar de onde te avisto
É aí que te encontro
Serena e doce!
Amanhece nas mãos a calida sensatez do mundo, amor que renasce na maciez do toque. 

São Gonçalves.
Entre as sombras e a luz desenhas no rosto a geografia do pranto silencioso!
São Gonçalves.
A cada inverno que passa a melancolia dançante do vento
Cantada na nudez das folhas caídas
Arrancas ao tempo a força da verticalidade das estações
E o coração entrestecido teima em afundar - se no ventre da noite
Abismos interiores, profundos, inquietantes nostalgias demoradas na flacidez da pele. 
Olho para o teu sentir o mundo
Num ângulo desfocado e inseguro
Tardam os sonhos a aninhar - se de novo no interior do teu templo
Esperas o desabrochar da ternura
Numa aurora ainda longínqua .

São Gonçalves.
Foto - Célia Maria Cavaco

São os tempos de silêncio que nos ensinam o verdadeiro significado das palavras. 
São Gonçalves. 

Foto -fa-ho
Como são claros os teus olhos quando acendes a luz num mar desabitado
Habitas por dentro do sonho, nessa terra amarrada a um fundo sem nome
sobra-me o tempo e a distancia é apenas um pedaço de terra
o azul funde-se no abraço,numa acalmia de ventos norteados.
Há um caminho traçado no azul
uma sombra terrestre no berço das águas
Corres, respiras, confundes-te na brisa fresca da manhã
És o braço do anseio dos fim de tarde
nos teus olhos as cores são tesouros por desvendar!
Encerras o silêncio na ancora da manhã!

São Gonçalves.
Não é de inquietação as luz dos meus olhos
esta maresia crescente no céu da boca
este acordar devagar nas madrugadas 

despe-se em mim todas as sombras
os gestos inúteis
com que tatuei os silêncios

o livro que escrevo é uma metáfora de vida
o silêncio já não tem nome nem morada
e eu apenas clamo o teu nome

derramadas as vozes cortantes de ironia
finjo que não sei o nome das coisas
e das palavras interditas

Deixei para trás todas as amarras
essa amalgama de silêncios incertos
e só por isso valeu a pena

o caminho das palavras
num grito libertador e poético.

São Gonçalves.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Nos despojos do que ficou 
Ainda escrevo o teu nome
Para que a memória 
Seja o espelho do passado 
Como restos de sentimento 

A solidão não se deitou a meu lado
Tu ainda me visitas
Na travessia das noites

Pudesse eu dizer que te esqueci
mas sombras demoram - se
No versos do poema

É como se voltasse ao tempo
Em que me abracavas longamente
E ali permanecesse eternamente

Dizem - me que os anjos não nos visitam
Mas tu ainda conheces a estrada
Onde te perdes no meu corpo.
São Gonçalves.
Foto- Camilo Rego.
Já só sei falar-te na linguagem dos poetas
nesse dialecto silencioso
de imagens 
de ternura desfocada!
São Gonçalves.


É daqui...
é daqui que te avisto 
num ermo distante
contemplando
a ternura verdejante
dos teu braços.
é daqui que te rezo
uma prece silenciosa
intensa
evocando os deuses
as luas novas
e as que te abraçam
no reflexo do rio
é daqui que aspiro a tua força
árvore gigante
abraçando
as margens do destino
é daqui que te sonho
num livro aberto
silencioso
onde escrevo a vida
e a solto ao mundo.
São Gonçalves.
Olhou a janela semi-aberta ao mundo
a cidade arrastava-se nas horas
num murmúrio de lágrimas roubadas ao céu

o mundo girava à sua volta
com palavras dedilhadas nas vozes roucas
cansadas do longínquo dia
vozes surdas ecoando no espaço
num timbre monocórdico

vãs algumas palavras
entoadas no desespero do momento

O sol tímido espreitava pela frinchas da janela
as vozes amparam-se do que resta do silencio!

São Gonçalves.
Arrastava o corpo pelas cidades cinzentas, 
O frio rasgando a pele até aos ossos 
Na sua violenta solidão 
No inferno da cidade muda 
As palavras não lhe serviam de agasalho. 

Regressaria ao cais do recomeço
Entre uma e outra estação
O poema lambia - lhe a lágrima
Do desencanto.

São Gonçalves.
Nada está perdido
Quando pela manhã
Lambemos as feridas noturnas
abraçamos o desassossego
Do corpo em farrapos.
De nada serve lamentar as migalhas
Dos sentimentos abandonados
Que secaram no prato
Esquecido no tampo da mesa
Na penumbra da sala vazia
A vigília antecedeu o gesto vagabundo
O corpo ancorado na placidez matinal
Acorda, geme, liberta
o amargo traído do último Wiske.
Não, nada está perdido
Quando despertas do medo do mundo.
São Gonçalves.
Dá -me alguma coisa que não morra 
A sensualidade do gesto que toca e deixa na pele o rasto de luz a pigmentação do amor derradeiro. 
Dá -me o fogo e a paixão 
A vontade de viver com todos os sentidos despertos. 
A imensidão do mar, a cor dos teus olhos. 
Dá -me a chave com que possa abrir o cofre onde guardas os enigmas da fealdade do mundo e nele possa depositar o meu segredo de mulher.

São Gonçalves.
Às vezes procuramos palavras que definam
A solidão que nos consome
No meio das gentes
Este sobressalto surdo
Do abismo que nos atrai 
Deste prantear
Os dias
Sem lágrimas
Sem o sabor do sal
Nos lábios.
Apenas o deserto
De palavras.
São Gonçalves.