domingo, 27 de setembro de 2015

Sem terra, sem chão, a chama da vida assente na mais profunda ilusão. 
O vigor da árvore 
Tão magistralmente solitária 
O cobalto do céu 
Riscado por um esguio compasso 
O dia, a noite
A justaposição do vazio
As cores marborizadas de outono
O ouro da terra .

São Gonçalves.

Foto- Pedro Matias.
Partem as aves em Setembro
parte o ombro amigo
sentimento inacabado

cortam-se as raízes das árvores
ceifa-se o trigo
colhe-se o vinho maduro

partem as aves em Setembro
a sombra amiga e distante
o ventre já seco

partem os sonhos e os abraços
fica a terra vazia
no pousio esperando o inverno

e a colheita fugaz das estrelas
luzes cintilantes
albergando a memória dos gestos

enche-se as ânforas e os celeiros
com o mel das palavras
poema seguro no bico das aves....

São Gonçalves.
Reescrever as manhãs num poema, 
Soletrar o silêncio às gotas da chuva, e olhar o dia com olhos de carmim. 
Guardar no ventre o grito da dor, tantas vezes silenciada, e na memória essa infatigável beleza maternal. 

Ver -te em todas as coisas 
Na flor delicadamente poisada na fragilidade vidrada da luz

Ver -te deslizar na gota de chuva
Na caneca do café
Frio de tanto esperar

Reescrever o teu corpo junto ao meu
Na sombra da palavra
E do desejo

Ver - te sempre do outro lado da janela, da margem do infinito abismo.
Do rio caudaloso de metáforas
Ver - te do outro lado do poema.

São Gonçalves
Sinto a vertigem do tempo a passar no corpo
este silencio que habita a casa
o desabitar dos objectos
dos sentimentos

O vazio que o tempo deixou da tua ausência
a tremura nas mãos
a ausência do perfume
na minha pele.

Sinto a maciez da brisa da manhã
o toque do efémero
o vibrar de um relógio que não pàra
num corpo à deriva.

São Gonçalves.
É esta a simplicidade da vida que carrego na palma das mãos. O fruto da terra, o emaranhado dos dias .
Por ali perto um céu de luz turquesa ilumina - me os passos, tantas vezes incertos, tantas vezes incompreendidos , indecisos.
É esta a magia do universo, a passagem do tempo na alquimia das árvores.
Caminho sob um céu sereno e luminoso, apenas a complexidade do mundo me toca à superfície da pele.
Sinto, reflicto, e é apenas de luz que inundo os meus passos.
Deixo à terra o emaranhado das lutas, desdobram -se os dias em ciclos lunares, o fruto da árvore ainda está para brotar na inocência da primavera.

São Gonçalves.
Foto - Dolores Marques.
Nada direi das palavras, nem dos sons do mundo, aquieto o espírito ao som do planar das aves e do doce murmúrio das águas.
Carece o mundo de ternura, de momentos de vazio ausente de dor.
E eu que tanto desejei o desapego , inundo o olhar de horizonte, afogo o corpo na brisa crepuscular, e liberto -me.

São Gonçalves

Foto Dila Sá
 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sinto a pequenez do corpo flutuando num mar em chamas, 
Sinto o renascer da paz, o vazio do universo. 
Avassaladora esta alquimia de sentidos, a alquimia transcendente dos grandes horizontes. 
O transbordar de plenitude 
na hora mágica 
De todos os silêncios.

São Gonçalves.
Foto - Camilo Rego.
Soubesse eu do toque 
Da tremura 
Dos dedos 
Em dias de sol. ..

Soubesse eu do odor
Campestre
Derramado em ânforas
De prazeres subtis. ..

Soubesse eu do mel
Colhido
Na maciez dos teus lábios
Sedentos.

São Gonçalves.

Foto - Rosa Mouzinho Santos
Nada lhe fora dado sem apelo, sem esforço, a luta desenhava-se todos os dias nos contornos do caminho, por vezes chovia no seu corpo, vestia o desencanto, como quem veste uma roupa cinzenta e já desbotada pelo tempo.
Olhava nos olhos dos homens inchados de orgulho, o despeito de se sentirem superiores, pressentia-lhes o medo nas veias raiadas de vermelho, o desconforto dos medos que escondiam.
Partiu um dia, de coração magoado, deixou para trás os jarros debaixo da janela, o cheiro a feno, o odor do café de cevada fervido numa panela de ferro ao raiar da manhã.
Deixou o amor escondido nas vielas, o toque das mãos, o doce beijo crepuscular, deixou para trás o preconceito dos homens.
Correu, correu para longe, para um mundo desconhecido onde haveria continua a luta sem fim
Guardava no coração, o toque suave das mãos enrugadas da mãe, o sabor das lagrimas de quando lhe beijou o rosto triste e cansado.
Guardou na mala o preconceito dos homens e o seu orgulho inchado nos sorrisos enganosos.
Inquieta percorreu caminhos sinuosos, as palavras a enfeitarem os passos, a iluminar as manhãs cinzentas de neblina, tantas vezes as suas mãos se humedeciam com o sal das lagrimas, tantas vezes desejou voltar, tantas vezes os braços cairam vencidos da luta.
Nas suas mãos os livros, a esperança, e a verdade que tanto desejou alcançar…
Deixou passar os anos, deixou o rosto ganhar aquela textura de quem já tinha visto passar tantas estações. O Esforço continuava, o caminho não tinha ficado desimpedido dos escolhos, mas a sua verdade, permanecia guardada no coração, num lugar inacessível ao preconceito dos homens.
Tinha-se esquecido do seu lugar de pertença, mas nunca se esqueceu porquê partira…

São Gonçalves.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Trago no corpo tatuado
A fragancia 
Flor exótica dos desertos 
A sedução da alma
A timidez cinzelada
Nas linhas do rosto. ..

Na combustão interna da dor
A vontade de viver
Em cores de luz
Pigmentos lilás. ...

Trago o desejo interno
Guardado num campo de flores
Silvestres
A força dos sentimentos
Numa urgência
Trasnmutada
No magenta crepuscular.

São Gonçalves. 
Caminho devagar, no silêncio milenar das pedras, assento os pés e o cansaço, na moradia ancestral dos velhos desassossegos, encostada ao mar, abrigando histórias infinitas. 
Na passagem do teu ventre, a esperança ,essa árvore viçosa que cresce em silêncio, esse murmúrio de mar cantado horizontes infinitos. 
Já não há passado, nem futuro, as vozes já não ecoam no promontório dos desejos.
Deixei - me ali ficar, no momento presente
Apenas ouvindo os ecos do vento, longe dos olhares do mundo, a melodia das folhagem assobiando no tronco do encantamento
Abriguei -me dos medos
Dessa fragilidade momentânea e cruel
Agarrei -me a ti com toda a energia do mundo
Árvore mensageira do infinito
Voz da mais clara madrugada
Segredei-te os meus anseios
Implorei bênçãos às Deusas da terra
Ouvi-as cantar uma doce melodia de embalar. ..
Senti no meu rosto o toque subtil do azul, a força do céu, a vastidão do oceano
E a transformação do tempo em harmonia infinita.

São Gonçalves. 
Há no horizonte o contemplar de amor distante, a ausência do que nunca foi nem nunca será. 
O vazio maduro das horas mortas, a esperança vã de um sorriso. 

São Gonçalves.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Num tempo cinzento 
Há sempre frinchas de luz
Clareiras de azul 
Iluminando o leito das águas ....

Há sempre sonhos
Atravessando a longitude do pensamento.

Silêncios mitigados
Num chão de vidro
Devaneios dispersos no murmurar das nuvens, resguardadas do mundo
Numa fragilidade etérea

Ao anoitecer, persigo o itenerario da luz, num instinto de mulher.

São Gonçalves.

Foto - Fátima Guimarães.
Eu sonhava -te assim, ave peregrina sobrevoando o céu e o mar dos meus dias. 
São Gonçalves.
Desdobram - se em sombras 
O caminho da eterna nostalgia 
Quando no anoitecer 
As imagens crepusculares 
Nos chamam à razão. ..

É efémero o sentimento de pertença
À terra agreste e nua...

São Gonçalves.
De que são feitas as noites 
Onde o mar se deita 
A ternura deslumbrada 
Se aquieta 
No céu flamejante?

De que que forma
Se atravessam as portas
Entre o material
A terra selvagem
E o etéreo
Mundo da alma?

No desejo de vencer os medos
Na quietude
De uma luz a horizonte. ..

São Gonçalves.

Foto - António Mattozzi
Fechou o livro devagar, ainda a mastigar as palavras que teimosamente se instalaram no pensamento.
No fundo ela já sabia que a sua amiga escrevia muito bem, a sua prosa era sempre temperada com um subtil quanto baste de lirismo, de sensualidade, de magia!
Mas escrever assim daquela maneira tão profunda a condição humana, deixo-a sem palavras.
Eram amigas há muitos anos, tinham aprendido a amar e a percorrer o caminho das palavras, sentiram-lhe a força, a a magia, o encantamento, sentiram-se renascer num mundo de alegorias, metáforas, imagens, a verdade escondida nas subtilidades de um poema. Tinham seguido cada uma o seu caminho, afastaram-se, os destinos eram diferentes e os rumos também, mas haviam valores humanos que as aproximavam, a amizade, a lealdade, a responsabilidade.
Contudo se agora estavam mais distantes, acompanhavam-se sempre nos seus percursos, nas suas vitórias e nas suas derrotas.
Sentada na cama, já tarde na noite, com o livro nas mãos, Maria pensava na sua amiga, e no livro que acabava de ler. Tão deliciosamente belo, tão profundo, tão intenso. Tão dolorosamente verdadeiro…
Todos aqueles valores que ambas defendiam estavam ali narrados naquele romance, na profundidade daquelas personagens, nos encontros, nos desencontros, na luta por dias mais luminosos, na fraternidade, na entrega, na conjugação dos astros para que as almas se encontrem, morram e renasçam nas encruzilhadas do destino.
Maria estava feliz, por ter encontrado naquele livro o espelho de uma alma bela, mas também por ter encontrado num tempo de lutas, ambições e egoísmos, a chave para a libertação das amarras da alma humana.
O altruísmo….E foi pela mão e pela imaginação da sua amiga que as portas se abriram mais uma vez.

São Gonçalves

Entendo o som da luz e da sombra
O leve sussurrar dos passos
Portas que se abrem
Portas que se fecham
Na antecâmera dos dias
Rangem os temores
Nos soalhos
Portas…tantas portas
Tantos silêncios trancados

Do outro lado
A palavra esquecida
As paredes nuas…

Soletro segredos às paredes
Sem olhar para trás
Tantos momentos possíveis
Na impossibilidade das horas …

Do outro lado
Espaços vazios, onde
Escondo medos, raivas

A tremura de um gesto
No destrancar da porta
A imensidão do esquecimento.

São Gonçalves
É possível renascer num céu turquesa, acalmar os medos num mar de rosas campestres. contemplar o que resta da memória, desse encantamento que embalou a nascente e a timidez. Há na nostalgia dos dias amenos um sabor amargo e doce de amores silvestres, um campo de trigo a incendiar a aurora. 
Sabes que te trago sempre junto ao peito, permanecesse sempre calmo e sereno no som da brisa que beija os lábios. Permaneceste ali junto ao rio, naquele caudal azul cobalto.
Sinto - te nesta harmonia de sons e de cores, sinto o teu deslizar no meu corpo, rio de águas mansas.
Neste aconchego de sentires, evoco os Deuses ancestrais, num clamor de chamas antigas.
Dizes -me - silencia as palavras e os gestos até à revolução de uma madrugada de novas promessas .

São Gonçalves.