O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

sábado, 17 de julho de 2021


É neste fim de tarde que tudo pode acontecer. Abre- se o mundo para a receber a sublimação dos sentidos!
Há uma cidade que adormece. Há o universo que trasmuta a existência dos homens.

Podia falar- te das cores, mas essas apenas são fruto da transfiguração do universo.
Fruto do barro com que se moldam as estações e os dias.
Há a magia do entardecer!
Há a luz que se esvanece a horizonte.

É neste enleio crepuscular que as cidades adormecem!

É neste tempo de incertezas que os homens olham os céus e evocam uma prece.
Há a luz da esperança a vigiar o cair da noite sobre a cidade.
Há o riso e o pranto. A palavra e o silêncio.
O tempo que corre na cadência das marés.

Há a luz desenhada no sentido da vida!

São Gonçalves

Foto- Fátima Guimarães 




 


 Seria na palma das mãos que acolheria a beleza do mundo.

Aceitaria a força do universo.

Com as mãos (re)escreveria a história que havia ficado retalhada na memória
Extravasaria as dores, as ansiedades.

Com as mãos teceria a luz que ilumina de novo o olhar.
De azul e magenta desenharia a força cósmica do devir.

Aprenderia a aceitar a dádiva da vida como quem aprende
os caminhos da serenidade.

Como quem (re)nasce de uma longa noite de escuridão.

São Gonçalves. 


 Silencio as palavras e os gestos e aprendo a descodificar as imagens do universo, os sons do que é inaudível.

Aprendo a linguagem das profundezas da alma. Este caminhar solitário para dentro sem os códigos que ligam os homens ao mundo. Apenas eu naquilo que me define num todo, nas sombras do que tento todos os dias desvendar.

Na sublime beleza de uma crisálida em metamorfose.

Fecho as portas ao desnecessário. Dispo -me dos fardos do tempo, dessa camada de mágoa que rasga por vezes a pele.
Inspiro golfadas de luz, re - invento as horas gastas na placidez dos dias

Gastei todos os sons , todas as palavras a tentar explicar o inexplicável. A descodificar o constante vibrar de mãos que se agitam.
Alberguei no meu coração sentimentos inúteis, apegos sem valor nem sentido.
Olho agora para dentro e vejo o infinito nos meus olhos cansados.

É para dentro que o caminho é mais denso. É no silêncio que o sentimento é ainda mais profundo!

São Gonçalves. 


 Derrama- se no branco das paredes a cor azul cobalto das marés!

De linhas finas se desenham as ideias. Tecem- se de madrugada os esboços das catedrais.

Majestosas

Imponentes

Procuram nelas, os homens, aconchego para a solidão!

E esta luz a iluminar o templo. Este céu a aspergir de claridade o corpo dos viajantes

Há nestes traços o convite enigmático para abraçar a plenitude.

Há tanta eternidade na gramática das cores. Tanto aconchego na semântica da luz.

São Gonçalves
Pintura- Edite Melo 


 Fala- me a palavra e o silêncio!


Escreverás desta sintonia de cores o enigma do fluxo terrestre. A força, a energia, a explosão do universo!

Escreverás a simbologia da explosão inicial! Um gume luminoso a cortar a escuridão dos homens!

Mas é de ti que se solta esse grito mudo! Essa força incontrolável de quem não sabe calar a dor e a alegria de viver no meio das convulsões da existência!

Com a cor expandes o fulgor em traços profundos e assimétricos. És raio solar, energia profunda!
A matriarca da força que gera luz e vida.

São Gonçalves

Pintura- Edite Melo 


 Às vezes temos de saber conhecer o caminho da terra, o sabor amargo das noites insones.

Temos de saber de quantas quedas é feita uma desilusão...

De encontrar dentro da alma a imensa solidão das árvores !

São Gonçalves. 

Será preciso mais do que uma dor para me paralisar os movimentos!

Mais do que um pesadelo para aniquilar os meus sonhos!

Mais do que um silêncio para me calar a voz!

Mais do que uma lágrima para me roubar o sorriso.

Mais do que um desequilíbrio para evitar as quedas.

Será preciso mais do que uma desilusão para deixar de acreditar no amor!

São Gonçalves 
 


 Como se aceita o sonho, a vertigem calada do assombro, o terror da fragilidade?

O surrealismo do presente, a sombra do passado ?

De repente, a devastação da alma!
De repente, todo o sonho, toda a ilusão da impermanencia!
De repente a confiança absoluta no poder do abismo!

A fragmentação dos dias, o pensamento num complexo emaranhado de emoções, de anseios.

De repente, a morte, o olhar vazio e distante, a dor e a ausência.
Incrédulos, assistismos à morte dos sentimentos, à metamorfose do corpo.
Ao naufrágio das ilusões

São longos os caminhos da aceitação!
Então, acordamos um dia na mesma cama fria, na mesma casa vazia.
Saberemos, enfim, que tudo não foi apenas imaginação.

São Gonçalves 


 Desgosto! Um sentimento de mágoa. A vida a mostrar o lado errado de tudo! A ausência de cor! A esperança do que esperava que fosse! O que deveria ser e não é.


São vidas arrancadas às suas profundas raízes! Vidas expatriadas do seu lugar de pertença.

É a descida ao fundo. Ao fundo do mar, ao fundo do desespero, até chegar à anulação do Ser.

Anos e anos perdidos: anos e anos a aprender a teoria das coisas. É a vida, essa companheira dos dias e das noites, essa vibração das horas a cortar rente todas as esperanças, todas as possibilidades.

São tantas as vidas em suspenso nas malhas da emigração e da luta por dias melhores. Tantas e tantas ilusões escondidas nas páginas dos livros, tantas lágrimas suspensas a jorrar de uma fonte invisível.
São tantos os Seres perdidos nas teias invisíveis do desencanto.

Homens e mulheres que nunca terão lugar para um olhar de descoberta.

São Gonçalves.


 Alinham- se silhuetas num espaço infinito. Mãos erguidas ao céu!

O clamor é surdo! A humanidade em busca de sentido.
A oração transborda do silêncio em ondas de azul cobalto!

Na simbologia da transformação há um caminho que se percorre entre o profano e o sagrado.

Profunda a densidade do traço. Amplificado o gesto , emergem da cor catedrais góticas!
Entramos nelas para contemplar a luz, semeando nos altares a esperança de pertença a um designio maior! Aplacando as dores invisíveis da alma.

São as mãos que re-significam o silêncio.

A dor profunda e calada a dar lugar à plenitude do Ser.
São as mãos que tecem a urdidura dos dias. Pedaços de terra a simbolizar a condição terrena.
Rios de cor azul a conduzir o homem ao sentido mais elevado do absoluto!

São Gonçalves

Pintura- Edite Melo

Surgem cidades do meio de vazios insondáveis!
Tanto silêncio a marcar o tempo e o espaço!
Não sei se o som que se ouve ao longe é o sussurrar de uma oração. Um mantra a marcar os passos dos homens!

Faltam- me os signos linguísticos para nomear o som do silêncio!

Pudera , eu, abraçar-te nesta lonjura imposta pelos Deuses.
Caminho entre um silêncio de pedras.

Só me resta este diálogo constante entre a densidade das cores e as vozes da cidade.
Como a pauta de uma sinfonia , as cores vibram de emoção.
Falam, transmitem!

Sons ascendendo o espaço em que me encontro, me perco e re(encontro )
E a cidade silenciosa escuta, abraça.
Transmutação a vibração em luz, energia cósmica!

São Gonçalves

Pintura- Edite Melo
 


 Do alto um pronuncio de tempestade!


Questiono os Deuses e os mitos, que mensagem se esconde na espessura das águas a cair sobre a cabeça.
Saberemos , verdadeiramente, ler a semântica do universo?

A fadiga instalou-se nas paredes das casas. Os homens entregaram- se ao exercício da solidão!

Pesam os dias e os cansaços!

São Gonçalves

Foto- Sk


 Nada me me conduz ao sublime momento de desapego

O corpo grita as eternas ausências!
O inevitável desassossego surdo das flores de inverno!

Não sei se é do tempo
O tremor da pele

Não sei se é da solidão
O abismo negro das noites

Pudesse eu, escutar a tua voz
Sentir a sombra do teu corpo
A derramar centelhas de luz
No meu peito.

Pudesse eu, fugir da inevitável melancolia
Desta tristeza plasmada no olhar
Deste abismo silencioso de onde me percepito !

Pudesse eu, silenciar todas as memórias
E ser barco naufragado num mar inventado.
Nas beleza enigmática de um poema.


 São estas as madrugadas de espanto. A sublime beleza de um céu em chamas. O clamor dos deuses numa linguagem de luz e de cor!


Das sombras, resquícios de uma humanidade em busca de sentido!

Mas é de luz a grandeza das almas. Matriz de um mundo em convulsão.

São Gonçalves
Foto- S.K.


 Maquilha - se a dor e o medo por baixo de véus tingidos de negro!


De pequenos nadas se escrevem os instantes
É talvez a única maneira de resistência ao vazio.


 De repente tudo se tornou agreste, silencioso, ausente! A casa o epicentro do gestos, o espaço onde tudo acontece. A palavra exilada a um canto, esquecida. O amor por acontecer. Os abraços distantes!



 Contorna o céu azul das madrugadas

coloca no olhar o azul frio do inverno
a frágil beleza das árvores despidas

imagina no corpo o abraço que ficou por dar
o sentimento inequívoco que transcende o espaço sideral

sente no rosto essa carícia de luz
sente a nostalgia da brisa inundar a saudade.

São Gonçalves.

Foto- SK


 Rente ao corpo o toque macio dos dedos percorrendo a pele, desnudamento da alma

o silencioso canto das aves migratórias

a sensualidade estanque num só gesto
na robustez do corpo, o tacto da memória
a saudade e o desencanto

no dedos desfilam palavras e silêncios
a pele estremece, o corpo cede

batimentos de um coração inóspito
perdido no meio da selva dos dias
ao longe ecoam, apenas, os sinos da igreja antiga. Memória viva da infância

no coração da casa ouve- se o silvar do vento nas paredes
e o uivo dos lobos nos montes.

Então, a mulher reescreve os dias, nas linhas do corpo, na aridez do espaço, na reconstrução de uma identidade no devir !


 Fogos ardem ao longe

Aproximam-se, lentamente
Desvedam mistérios
Tantas sombras internas .

Desenhámos a saudade no bailado das aves

Trocámos o sol e o silêncio
Pela brisa do fim de tarde
Os corpos exaustos de ternura

Rasgàmos as cartas e as memórias
Escondemos os sentimentos até à exaustão

mas é ao fim da tarde que a luz do sol é mais intensa.


 Quando o tempo nos pede silêncio para escutar as vozes interiores

Caminhar para dentro, aceitar o desafio do infinito!
Embalar a alma nos ruidos do vento. Esperar a transformação do universo!
Ser, apenas, SER!


 Quando o tempo nos pede silêncio para escutar as vozes interiores

Caminhar para dentro, aceitar o desafio do infinito!
Embalar a alma nos ruidos do vento. Esperar a transformação do universo!
Ser, apenas, SER!


 Ressonantes os sons da terra e dos rios, vozes a ecoarem em espelhos de luz!


Da energia das árvores um abraço nasce. Momento perfeito de aconchego,
esperança cruzando rios de palavras.

Cântico do mundo, rumor a surgir do interior dos elementos. Deste lado das sombras, sinto no meu rosto o beijo universal, matriz onde nasço e renasço segura em fios de luz, no equilibro transcendental das madrugadas.


 A frágil simbologia da paz a vingar nas águas lodosas dos dias!

A efémera placidez de um só movimento.
Âncora subtil da esperança !

São Gonçalves.