O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

segunda-feira, 18 de setembro de 2023


 Quanta força há na ilusão do encantamento?


Quando da rudeza, da dor e da amargura dos dias fazemos renascer a frágil e subtil flor da generosidade e do amor.

São Gonçalves. 


 Mãe!


Na solidão da casa já não te anseio. És a estrela maior dos meus dias.
Visitas -me sempre nas noites de insónia.
És a companheira silente e terna na passagem do tempo.

És o silencioso cântico das aves migratórias
Esperando a estação das longas peregrinações.

És a estrela brilhante num céu de murmúrios
A lembrança guardada nos gestos simples e eternos.

São Gonçalves. 


 Da nudez das palavras nada conheço.

Perco, por vezes, em deambulações de imagens e sons.

Lembro o toque macio e leve dos teus lábios.
Sinto o arrepio da pele, dos meus dedos esquecidos no teu corpo.
Um tremor leve na ausência dos teus.

Da nudez das palavras nada conheço.
Conheço, apenas, o toque do teu corpo macio perdido no meu.

São Gonçalves

Pintura- Carla Bigode 


 Toda a cor, toda a palavra gira em busca de um equilíbrio.

Algures entre o tempo da infância e o centro onde nos encontramos agora.
Alimentamos o espírito de ilusão, de cores vivas, de palavras que nos concedam repouso.
Percorremos cidades, declinamos a sabedoria das aves.
Perdemo- nos e encontramo- nos na espessa matéria dos dias.

São estas as formas do mundo.
Cores dispersas alimentar o sonho dos homens.

São Gonçalves
Pintura. Bia Morais 


 A linguagem poética serve também o propósito de encontro e descoberta.

Espaço aberto ou fechado, chave mestra do pensamento!
Mito construtor de uma realidade ilusória!
O que somos e o que desejamos ser!

Palavra ou silêncio, obra aberta a todas as interpretações.
Flor-de-inverno exalando perfumes exóticos!

A poesia é a porta de entrada de um paraíso qualquer, a nomenclatura do silêncio!

São Gonçalves 

Sabia de si pela tristeza que se vislumbrava no olhar. Eram verdes os seus olhos, tristes, acinzentados de desencanto!
Em dias como os de hoje, olhava o sol nascente, e questionava. Voltava ao silêncio dos livros, estudava as filosofias antigas. Procurava nos sábios da antiguidade as respostas para os enigmas da vida.

Tentava decifrar palavras e silêncios!

São Gonçalves
 


 Todos os dias se inventam novas rotas. Na desconstrução do dia anterior, a noite é de vigília e o pensamento acalma a febre das palavras.

Passos silenciosos a palmilhar os trilhos da noite.
Há homens e mulheres procurando um sentido para a vida!
Não há mãos dadas, nem abraços!
Apenas os sons noturnos dos passos pisando a terra dura.
Recorro a Sisifo de Miguel Torga" recomeça se puderes ". Diz o poeta.
E todos os passos dos homens são no sentido desse interminável recomeço!
Aos ombros, carregam o peso da vida e do destino. O sentido da vida e da morte.
E todos seguem a direção da noite, clara e morna de setembro, para no dia seguinte, voltar ao sítio de onde começou.

São os trilhos da vida, são os desígnios dos homens!

São Gonçalves


 ... cresce no silêncio das madrugadas uma flor de esperança.

Serena a luz de outono iluminando as encruzilhadas da vida.

Murmúrio do sons do mundo,
abraço acolhedor no entardecer.
Vozes silentes, gestos ensaiando a textura da pele.

Tempo que se deseja lento na busca da plenitude...

São Gonçalves


 Tão magistralmente só abraço o universo.


O dia, a noite
A justaposição do vazio e da plenitude.
Visto as cores marmorizadas de outono, o misterioso azul-cobalto.

Da terra extraio o ouro dos deuses e adentro, de tronco erguido, mais uma estação.

São Gonçalves.


 Partem as aves em Setembro

parte o ombro amigo
sentimento inacabado

cortam-se as raízes das árvores
ceifa-se o trigo
colhe-se o vinho maduro

partem as aves em Setembro
a sombra amiga e distante
o ventre já seco

partem os sonhos e os abraços
fica a terra vazia
no pousio esperando o inverno

e a colheita fugaz das estrelas
luzes cintilantes
albergando a memória dos gestos

enchem-se as ânforas e os celeiros
com o mel das palavras
poema seguro no bico das aves....

São Gonçalves.


 As palavras serão sempre escassas para te dizer da saudade. É quase noite, quase Outono. As cores vibram, o mar embala os sentidos. Oiço o murmúrio da tua voz e espero

É quase setembro!

Contemplo os reflexos da luz crepuscular. É de ametista a superfície das marés.
O sol prepara a despedida da longa jornada.

É quase Setembro!
Quase outono na estação e na vida.

Oiço na voz do vento a linguagem simbólica da passagem do tempo. Do teu tempo, do meu tempo. A narrativa de todas as batalhas, das marcas dos anos desenhadas no rosto.

Amanhã e depois de amanhã a luz será mais intensa.

São Gonçalves.

Foto- Edite Melo - Contemporary Art


 Isolas-te do mundo e engoles, em silêncio, o gosto amargo das ausências e das palavras que nunca foram ditas.


Sentas- te nas margens de um rio e deixas que a correnteza te abrace o corpo e os sonhos.

Amas e esperas o eco dos sentimentos dispersos.

E as águas, tão conhecedoras dos medos e dos anseios dos homens, murmuram- te um mantra de esperança.

São Gonçalves. 


 Trago nas mãos o toque da nortada das manhãs, a calmaria das marés crepusculares.

E na pele, feixes de luz, um desejo azul lunar.
A claridade de um mar de prata, infinito.

Espero-te na silenciosa aurora
Quando o leito desfeito ainda guarda o odor da pele.
O odor das maresias mais intensas.

São Gonçalves. 


 Nada direi das palavras, nem dos silêncios dos homens! Aquieto, por instantes, o espírito ao rumor do planar das aves e ao doce murmúrio das águas!


Carece o mundo de ternura, de momentos de contemplação, sem dor, sem inquietude!

E eu que tanto desejei estes momentos lunares, inundo o olhar de horizonte! Sacio a sede de paz num abraço aconchegante de lonjura, bebo da brisa crepuscular e sinto-me ave liberta!

São Gonçalves. 


 Diante de nós o mundo na sua múltipla complexidade universal.

Entre a dança da luz e o silêncio das sombras, caminhamos. Percorremos caminhos, atalhos. Duante de nós, encruzilhadas, direções, questionamentos, onde nos perdemos e nos encontramos.

Por vezes, florescem palavras, como estas, que podem não querer dizer nada e, ao mesmo tempo, dizer tudo.

Voraz o tempo que passa por nós.

No afã de sentir, colhemos flores que nascem bravias à margem de um sonho, tantas vezes sonhado. Ensaiamos o voo, descodificamos as imagens desfocadas, pertença de um tempo que deixámos para trás. E de repente tudo se torna mais nítido.

Insana esta procura no silêncio para a compreensão dos enigmas do mundo e dos homens.

Das entranhas da terra chegam odores de lava ardente, e na superfície, ainda se pode colher os frutos dos homens. Há uma beleza efémera desabrochando como uma flor, no coração das mulheres.
Há um jardim de plantas a alimentar a esperança.

Cedros, rosas, jasmins, amoras e hortelã. Há as marcas de um tempo lento que perdemos no frenesim dos dias.

Compreendo melhor, agora, tempo que me espera.
Compreendo melhor as dicotomias do corpo e da alma. A distância que separa os corpos, de um e outro lugar.

Observo o mundo e pergunto:
Que beleza haverá num campo solitário de papoilas?

São Gonçalves.
Foto-Dascha friédlovà. 


 Avassaladora a alquimia dos sentidos, a lucidez transcendente dos grandes horizontes.

O desejo de plenitude
na hora mágica
De todos os silêncios.

São Gonçalves. 


 Os dias sucedem- se entre a noite e o dia, a luz e a sombra.

Entre o desejo de leveza e o peso da matéria.
A claridade das manhãs, plenas de promessas, a convocação da noite a embalar os sonhos!

Assim prosseguimos; entre a realidade que nos prende os gestos e o desejo de plenitude!

São estas as formas dos dias, o pensamento a seguir a direção do conhecimento.

É esta a força da vida, a vontade de regresso ao paraíso perdido!

São Gonçalves. .

Foto- Ana Souto DeMatos. 


 Eleva-se o pensamento ao ponto mais alto da consciência.


Sente- se a vibração do corpo, os pensamentos a formar uma espiral azul. A geogragia de cidades, misteriosas, envoltas em brumas. Pequenos espaços de luz a iluminar a sombra dos dias.
Ainda que o caminho seja longo, ainda que o corpo não esteja completamente liberto das amarras do passado, sente- se a leveza dos gestos, janelas abertas ao espaço onde se conjuga a cor, o verbo e a vida. A transcendência e a contingência . A maturidade e a sabedoria.
Entre dicotomias revela- se a simbologia do devir. O apaziguamento dos sentidos. É este o momento de liberdade. A presença do sagrado exaltando o silêncio.

Profundo o momento de descoberta!

São Gonçalves
Pintura –  Melo - Contemporary Art 


 No diálogo interior criou uma narrativa que era de vozes, de pedras, de árvores, de trevas e de luz. Não encontrou dificuldade em construir um universo baseado na força da natureza. Um lugar que fosse seu, íntimo, sagrado. Nesses dias, convocava a energia das árvores.

Escutava o silêncio da floresta, conjugava as narrativas ancestrais numa conexão ao seu interior feminino.
Permitia-se ouvir o som das vozes de outros tempos. Vozes arrancadas à imaginação, à força da criação, transbordantes de energia. Vozes de outras eras, linhagem ancestral de vidas anteriores a esta.
Rituais iniciáticos a dar sentido ao passado e ao presente.
Por vezes as memórias desse tempo eram agrestes, traziam à superfície a força mágica da matriz.

Ébria de lucidez, sabia que tudo tinha um propósito.

São Gonçalves.


 A introspeção aproxima-nos profundamente da essência, do nosso lugar no mundo e da importância do cosmos na nossa existência.

O conhecimento vai dando, paulatinamente, lugar a outros questionamentos, intuições. O movimento do corpo e dos sentidos desdobrando-se no murmúrio quotidiano.
O processo é, quase sempre, longo, intenso, por vezes com dor.
Torna-se necessário caminhar para dentro, em silêncio. Desbravar lugares inóspitos da nossa consciência.
Tal um eremita solitário sondando os lugares sombrios da sua morada, do seu deserto. É um processo contínuo. Ao longo da caminhada, surgem dúvidas novas. Obstáculos inesperados, encruzilhadas desconhecidas.

A preserverança e a lucidez são os companheiros mais fiéis da infindável procura!

São Gonçalves.

Pintura- Edite Melo - Contemporary Art


 Poderia mover-me sobre a terra, sobre o mar, no imensurável espaço do universo. Poderia sentir o mundo de formas e intensidades variadas.

Mesmo assim, nunca deixaria que a fragilidade do meu corpo impedisse uma ligação à matriz, à essência da vida.

Saberia que a finitude é uma palavra inexistente no vocabulário dos que acreditam.

E, se eu tivesse, ainda, a capacidade de tocar com os meus dedos a cor deste céu, saberia que os meus mais secretos desejos, não passariam de memórias guardadas no imenso repositório universal e na vivência de vidas anteriores a esta.

Saberia que a paz e o sentimento de plenitude que, por vezes habitam-me, são os mesmos que me redimem das dores, dos desencantos do mundo e dos homens.

Contemplo este céu, de um fim de tarde, de um mês de Agosto, na minha vida. Adentro num espaço de silêncio, e por momentos, regresso ao essencial.

São estas as cores, esta profundidade, que designam a efemeridade de tudo, é esta imensidão do universo que me diz da minha pequenez na terra.

São Gonçalves.


 Sou dos sons

o avassalador silêncio
e dos sonhos
o eterno despertar...

São Gonçalves


 Inabalável a paz que desce sobre mim.

Impenetrável este mundo de energias novas, surgindo do mais profundo da terra.
Sacio nelas a sede de vida e da unificação à beleza infinita da entrega.
De árvores e de palavras descrevo o mundo.
Na semântica das árvores reflito sobre a passagem terrena.
Mergulho nas entranhas de um mar de significados.

Azul sempre azul
As cores com que pinto a vida e os sonhos.
Verdes as paisagens onde descanso o olhar das fadigas terrenas.

Ofereço-te o meu abraço e juntos combatemos a solidão.
Reconhecemo- nos neste local isolado de mundo
Ausente de vozes.
Apenas nós e o encanto das águas.

Ah! Como me sinto tão em paz neste lugar seguro
Ah! Como renasço no azul do céu, neste planar sereno sobre as árvores
e no aconchego do teu abraço.

São Gonçalves