O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

domingo, 5 de março de 2023

É preciso coragem para seguir em frente, sentir a vertigem do vazio.
Encontrar palavras justas, sublimes. Abrandar o ritmo do coração. Fechar os olhos por momentos à realidade. Contemplar a beleza da natureza.
Indagar os deuses e a força do universo e deixar a intuição fazer o resto.

São Gonçalves.

Foto- Fátima Guimarães .
 


 Sou apenas uma sombra ínfima perdida no tempo.

Poeira de uma estrela algures no universo
Um presente de um Deus distraído.

Uma mão aberta às palavras e ao silêncio.
Árvore solitária procurando a luz de uma estrela maior.

São Gonçalves.


 Porque te perdes, às vezes, em questionamentos estéreis?

Sabes que é em cursos de águas estagnadas onde encontras a serenidade das coisas simples.

Simples as palavras, simples os gestos. Simples a grandiosidade dos sentimentos.
Simples o brilho das estrelas longínquas que te iluminam os dias sombrios.
Simples o amor que expande nas tuas mãos.

São Gonçalves.


 Tocas o vazio com os dedos

sentes a ausência a soprar
no coração. O peso do mundo,
a crueldade asfixiante de realidade.

Esse golpe a invadir o pequeno quarto. O corpo exausto
de dor!

O rodopiar cristalino da respiração
inscrita na pele. Na ponta dos dedos
No embaciado da janela.

Olhas o mundo lá fora
esperando por alguém. Sentes
a ausência do calor, da vibração dos corpos.

Florescem rosas do lado de fora, tímidas.É inverno
Ouves os silvos do vento, cordas musicais a vibrarem dentro do quarto, junto ao peito.

Na ponta dos dedos desenhas
o silêncio, a coreografia
do vazio.

São Gonçalves


 Ser por breves instantes a conexão ao universo.

Ínfima partícula do mundo
Um desejo de leveza.

Sentir nas mãos a beleza do oceano e guardar no coração um lugar para um sentimento maior.

Escutar histórias de estrelas e galáxias.
Saber das fases da lua e das marés.
Abraçar o silêncio e as palavras
E saber- te sempre presente.

São Gonçalves

Foto-Hengki Koentjoro 


 Anseio o momento certo para acolher as palavras.

As minhas e as tuas!
Palavras luminosas
Ausentes do peso da noite, e das dores dos homens.
Palavras silenciosas que iluminem e abracem as renovadas esperanças.
Plenas de vida e de luz.

São Gonçalves


 Insondáveis os desígnios da natureza.

A inexplicável energia do universo,
Essa claridade a acalmar os mais soberanos cansaços.

Para quê questionar o mundo e os homens! Se é neste mistério divino que tudo se resume.

A força das madrugadas a acalmar os mais variados anseios, a luz a iluminar as trevas, a coragem a renascer por entre as tempestades.

Contemplo a cor âmbar do céu essa tonalidade quente a revelar os mistérios da vida
Sei neste momento que tudo fará sentido!

O corpo e o espírito em conexão à simboligia do sagrado.

São Gonçalves.

Foto - Graça De Souza Feijó


 Escrevo-te no meio do turbilhão dos dias, neste descampado de silêncios,

Escrevo-te com palavras simples
como é simples o sentimento que nos une, que nos aproxima.

Procuro-te na escassez do tempo que nos resta
na precaridade da vida
São imensas as palavras
As minhas …

És -me necessário
És o equilíbrio e o refúgio
A saudade do mundo construído de silêncios.

A ausência e a pertença, o tempo da ternura e do amor!
A singularidade generosa!
O tempo dos afetos e dos mistérios
O laço e o abraço!

São Gonçalves 


 Aprendeu o mundo com espanto e desassombro!


Com os anos aceitou a inevitável semântica do desapego. A lição do desencanto. Tudo haveria de ter um fim!
As pessoas partiam, as relações acabavam. A vida na sua imprevisibilidade. Nada persistia no tempo, na vida, nos dias .
Contava consigo como principal companhia para seguir o caminho. Às vezes, sentia a presença de mãos benévolas. Braços que se estendem e acolhem.
Questionou-se, a si e ao mundo, numa demanda de entendimento.
Sabia, sempre soube, que a dádiva era a melhor estratégia de sobrevivência.

São Gonçalves


 Há uma história por contar por detrás de cada rosto, de cada sorriso, de cada lágrima.

Há um mundo inteiro a desbravar nas reticências de uma frase por terminar, dentro do murmúrio das vozes silenciadas. Na linguagem das mãos que se entrelaçam nas longas noites de solidão.
Há tanto para explorar no olhar de quem perdeu a esperança!
São Gonçalves

Foto- autor desconhecido


 Recordo o tempo de liberdade

na ínfima passagem
rente à penumbra de um voo

muros agrestes forjando um cativeiro
de luz e de sombras

recordo madrugadas antigas
dias amanhecendo num espaço anterior
a este lugar de exílio

perco-me em divagações
procurando a claridade
feixes de luz plasmados
sobre uma janela sempre fechada!

São Gonçalves.

Fotografia-Marcin Ryczek


 São simples os gestos, a ternura silenciosa!

A mão estendida na sombra da tarde !
São imensos os caminhos do coração. A palavra que beija.

São poemas os desígnios do mundo, metamorfose de um sentimento ancorado na simbiose do pensamento!

São Gonçalves.


 De longe escutámos as nossas vozes

Longamente silenciadas com o marulhar do oceano. ..
De longe abraçámos as nossas dores caladas

De longe...

São Gonçalves.


 Os dias sempre tão vastos na sua complexidade.

Acorda-se tarde, bebe-se um café, telefona- se a um amigo
uma palavra de alento, de ternura.
Folheia-se as páginas de um livro
Lembramos outras épocas,
as memórias e gestos dos que estão distantes.
Responde-se às mensagens tardias,
desatam-se os nós do esquecimento
e de repente cerram- se os laços!

A voz sentida
as palavras libertas
Como o esvoaçar de um pássaro
Com medo e ternura!

Emociono-me!

Intensa a sensação, o voo frágil do pássaro. O equilíbrio e o desequilíbrio dos dias,
o medo da queda ou da viagem
o que se sente entre os vocábulos e a mudez gritante de alguns
o silêncio das noites.
A imprevisibilidade transbordante dos homens
as inquietações diárias
a vida, os sons, as cores, a poesia, o começo e o fim.

São Gonçalves

FotoAna Souto DeMatos.


 Quiseram silenciar as vozes, tapar os rostos, mobilizar as massas para um sistema de patriarcado.

Quiseram ocultar as vontades, os desejos, a feminina força criadora!

Em assembleias se juntaram.
Em silêncio uniram a força da sua feminilidade.

Ah! Mulheres curandeiras, protetoras. Mulheres mães, mulheres luz!

Renasceram de tantas mortes, de tantos golpes. Das cinzas da inquisição, das garras dos seus algozes.

Mulheres matriz, força!
Mulheres abrigo e transmutação!

São Gonçalves

Pintura- Bia Morais


 Eram espaços de silêncios estes lugares.

Lugares de terra batida, barro vermelho e pântanos brilhando ao sol de inverno.
O que foi já não é ; a casa é um lugar para sempre desabitado.
Existe o rumor das águas e os salgueiros a embalar os caminhos.

As estações sucedem se neste murmurar melancólico do tempo.

Contemplo este espaço onde deixo aos poucos espraiar as memórias; as mais recentes e as que foram pertença da minha antiga identidade.

O silêncio é agora um barco atracado ao cais no tempo.

Se soubesses que os meus olhos ainda procuram a luz das acácias em flor.
Se soubesses que ainda te procuro na ideia de um país luminoso.

São Gonçalves.


 Aceitar a culpa, o desamor, o desencanto, o fracasso; equivale a aceitar fragilidades que a vida e os homens não querem sentir. É preciso ser o melhor, o mais eficaz. A falha e a imperfeição não cabem no dicionário dos dias. Talvez devêssemos reconsiderar que o caminho da perfeição só se consegue aceitando todas as imperfeições, as nossas e as dos outros.


São Gonçalves.


 Por vezes enchemos o coração de silêncio e ficamos ali imóveis, como num abraço que aconchega.


São Gonçalves.


 A manhã a trespassar o corpo, fria, solitária, grandiosa de promessas.

A luz de novembro a iluminar os sentidos, a nostalgia no olhar.
De que são feitos os dias vazios, silenciosos?
Há um descampado a submergir á volta do teu corpo. Há a memória de tantas vidas vívidas!
Há um inverno a atravessar.
Há uma primavera que haverá de chegar !

São Gonçalves


 É no interior da alma que o mundo é mais profundo.

Escondo o corpo dentro de vestes coloridas.
Mergulho nas ondas de azul turquesa.
Leio nas cartas a professia do devir.
Tanta luz no olhar dos crentes.
O mistério na intenção elevada aos céus.
Sentir profundo, pleno de segredos.

Nada poderá perturbar esta quietude interior.

Que dizem o olhar das mulheres quando segredam mistérios? Perguntas, murmurando um mantra antigo.

São Gonçalves
Pintura- Bia Morais 


 Sentes a palavra e o silêncio.

Sentes o mundo inteiro dentro de um espaço confinado.
Nos recantos exíguos do corpo, na imaterialidade da alma. Na transformação do tempo.
O cansaço é apenas uma forma de expressão dos dias.

Sentes por vezes a serenidade das árvores antigas.

São Gonçalves


 Chegamos a temer as palavras que se escondem no fundo da garganta.


É preciso amar o silêncio, interpretar a semântica da negritude.

Definir a geografia da ausência para melhor alterar a rota de uma vida.

É preciso olhar a luz, sentir-lhe a profundidade, sem cegar.

Abraçar a imensa descoberta que se faz na noite procurando a verdade.

São Gonçalves.

Pintura. Edite Melo - Contemporary Art 


 Entre a luz e as sombras.

O força que vem das profundezas da terra , a raiz que alimenta e sustém, e o enigma do que transcende a razão.
São Gonçalves


 Dançam as mulheres no terreiro

Trazem no coração os sons das ancestrais
O ritmo da mãe África.

Dançam as mulheres no terreiro
De branco vestidas evocam Iemanjá
A deusa das águas.

Atiram flores ao mar
Murmuram um mantra antigo
Mãe África, mãe ventre e matriz
Senhora da luz
Guia nas tempestades.

Dançam, amam e oram!

São Gonçalves

Pintura: Bia Morais

Bia Morais é uma artista plástico que vive no Luxemburgo.