O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Despiu-se dos adereços supérfluos , das futilidades, num gesto firme atirou pela janela a vã glória das palavras vencida.
Vestiu-se de pequenos momentos, de carícias verdadeiras , e sentiu - se plena de mundo. 

São Gonçalves.

É da terra que renasco dos dias cinzentos. 
As lágrimas flutuam num cadência ascendente, o murmúrio das águas reflète uma luz ténue mas segura. ..brilham ao longe pequenos sóis, fragmentos de estrelas prenúncio de um tempo luminoso.
O corpo pesa. ...as memorias são a cada momento um traço ora negro, ora claro, o espírito revela -se , espraiando-se num planalto de luz e sombra. a exuberância do azul acalma os temores, os gestos em decadência, e eu, eu olho o sol, porque é de luz que inundo os meus olhos cansados. 
São Gonçalves. 
Tela- Myriam.
Abro agora uma janela nova para o mundo 
Devagar, tão vagarosamente indezivel, este abrir de sentidos adormecidos no colo do meu corpo. 
Entre a dualidade da luz e das trevas, caminho, um caminho feito de silêncios e de abraços, de partidas e chegadas, de nuvens cobrindo o céu dos meus passos.
Às vezes chove, e o meu coração inundado tristeza abriga - se numa imagem qualquer de felicidade da qual já não tenho memória.
Mas agora, agora há esta janela rasgada no céu, este espelho de luz e de sombras onde dança a minha alma ferida, ansiando um momento de redenção.
A tempestade afasta - se lentamente num ondular de sentidos adormecidos.

São Gonçalves.

Foto - Camilo Rego
De que magia são feitas estas horas vazias 
No ensejo crepuscular deitado sobre o rio?
Sonho-te num lugar distante, uma ilha talvez
Num entardecer quente e doce…

No emaranhado do pensamento errante
As pálpebras cansadas, já não alcançam
A ave que voa perdida do outro lado do rio
A realidade é sombria e a vista ofusca-se
A beleza do mundo ainda não me turva o olhar
E aceito a dor, devagar
Numa lentidão que quase me abraça!

Teimo em não deixar entrar a noite
Nem o brilho do vaga-lume que bate à janela
Do meu quarto
Teimo em contemplar o dia nascer
Sem que a os sinais da morte
Vagueiem sobre o leito das águas
Mesmo que os meus olhos
Ainda sangrem a dor de tantas ausências.


São Gonçalves.

terça-feira, 25 de agosto de 2015


Estes últimos tempos tenho assistido à partida definitiva de vários jovens, uns mais próximos que outros, contudo todos eles prematuramente, deixando a vida das suas famílias vazias e dores imensuráveis.
Como aceitar a morte de um filho, de um amigo, de um jovem que ainda não viveu a sua vida, que tinha ainda tanto para cumprir?
Como aceitar que o ciclo da vida inverta os tempos e roube às suas mães os filhos que as vezes com tanto sacrifício puseram no mundo?
Como olhar a tristeza infinita no olhar de uma mãe órfã do seu filho? Como consular um amigo que perdeu o seu apoio moral e social?
Tantas perguntas que poderiam ser feitas, e não haveria nenhuma resposta capaz de preencher tantos vazios por entre as palavras e os silêncios…
Aceitar, é o verbo mais usado nestes casos, mas só isso não chega para uma mãe que acabou de perder o filho, aceitar o incompreensível, aceitar que roubaram a vida à carne da sua carne, aquele que deveria estar perto quando as suas pernas já não suportassem o peso dos anos e da vida….
Aceitar, mesmo que leve muitos anos, não chega para preencher o vazio e acalmar a dor.
Parte da sua vida acaba ali, naquele dia, naquela hora, naquele fatídico acidente que lhe roubou parte da sua alma…mas é preciso continuar, e continuar implica ganhar forças e enfrentar de novo o mundo, com o olhar dorido, o coração em pedaços, continuar carregando no rosto as marcas do desgosto.
E há de novo a procura do sentido da vida, e esse sentido passará sempre pelos caminhos do filho, pela memória dos afetos.
Penso que uma mãe só sobrevive à morte de um filho quando a memória se torna o caminho a percorrer, encontrar o sentido nas mãos de um amigo presente, naquilo que ele representava, na perpetuação do amor, dos afetos, da vontade de viver.
Um filho nunca morre, contínua nos cantos da casa vazia, nas sombras da parede, na lembrança do seu sorriso, num abraço que ficou por dar… no prato favorito, nas pequenas manias…na roupa preparada para o fim-de-semana, mas que ele nunca chegou a vestir…
Os filhos continuam sempre vivos na memória das mães.

São Gonçalves.
Frágeis os contornos do porvir na decadência de um tempo sombrio. 
São Gonçalves.
Ofereço-te ao mundo dádiva do meu corpo,do meu coração
tu que és a minha luz ,o meu caminho
o consolo das noites insones
o abraço nas minha mais intensas inquietações
Tu és a àgua cristalina com que sacio a sede da vida
o meu futuro,a minha paz
o meu mundo de descoberta.

A ternura desenhada no espaço
a luz dos meus olhos
a imensidão do mar ausente!

São Gonçalves.

Foto-Susana Antunes.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Guardei - te junto a mim num descampado virado para o mar.
Fiz do desalento uma porta virada para o mar, salguei os lábios com o teu nome, gravei no coração a palavra proibida. ...

Arrancaram-me aos poucos a alegria, 
E eu inventei -te em manhãs submersas de desespero,
O medo, sim o medo que se refletia no espelho dos meus olhos, era apenas a ponte por onde eu podia atravessar.

Na confusão dos dias, reinvento o presente num desflorar de pântanos luminosos e estéreis.

São Gonçalves.
Ergues-te aos poucos do peso da terra 
Num corpo marcado com as setas da dor, entregas ao mundo a infinidade dos gestos surdos, ou os gritos de quem não tem medo de rasgar o ventre da esperança. 
De quantos partos se vive uma vida? 
Em quantos ventres te escondes das aberrações do mundo. 
Corres, gritas, cavalgas na imensidão do absurdo, os braços erguem -se e não te abraçam 
A renúncia da vida será ainda um porto onde não queres atracar.
Despida de medos, suportas a metamorfose da carne, e rasga o ventre do dia seguinte
Na boca o sabor amargo da terra
A loucura destilada sem culpa
E o vento acolhe - te sem olhar para o passado.

São Gonçalves
Reflexos.

Olhei o horizonte, longínquo
a imensidão alargada
de eternidade

sei que era um prolongamento
da alma aventureira
infindável

sublimei o meu corpo e o teu
num silencio desabitado
inteligível

virei-me do avesso, despida
em frente ao espelho
sussurrei

a imortalidade embriagada de reflexos!

Sâo Gonçalves

Foto-Camilo Rego
Liberta de sentimentos de pertença, eleva - se em mim um querer apaziguador, sofrimentos, vazios, imensas vezes resguardados em silêncios catalisadores. 

Abre-se agora uma nova janela de onde vejo apenas o mar. 
Voltar à nascente é um ritual de descoberta plena de liberdade. 

São Gonçalves.