O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

domingo, 10 de janeiro de 2016

Não sei se o tempo é pouco ou sou eu eu que perco em fragmentos diversos. Olho o mundo é procuro compreender a complexidade dos homens. Gostaria apenas de vislumbrar a claridade da alma, sem espelhos, sem águas a transbordar das margens, sem mal entendidos.
Foge -me o tempo nessa procura, e a complexa metamorfose dos mitos derrama no rio incertezas, nessa correnteza de águas cristalinas, onde na sombra do corpo se pode ver o que resta da claridade da alma sem sombras ou mistérios.

São Gonçalves.

Foto - Rosa Mouzinho Santos
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03 /01 / 16.
Entre a claridade e a sombra desenha -se os traços de uma vida. 
A luz que ilumina o espaço do abismo, os contornos da dor gemendo em silêncio,é frágil e distante. Mas eu que sempre percorri a passos lentos os mistérios da luz, aninho - me no colo da lua, e ali me deixo ficar na serenidade de um aroma de flores silvestres. 
É inverno, Janeiro, o sol expreita tímido, morno e distante. Os dias seguem - se a um ritmo lento , e só a luz de uma lua minguante me aquece as noites .
São Gonçalves

Foto - Rosa Mouzinho Santos.

02/01/16
São claras as águas quando abraço as novas rotas. 
Sinto, respiro a imensidão das vagas, a profundidade do ventre, a escuridão do vazio. 
Os ventos calmos sopram favoráveis num ar de nevoeiros líquidos. 
Aqui sou mulher, ave migratória à procura de ninho. 
Nesta era, morro e renasco no equinócio de inverno.
Faço do espaço um templo de hibernação.
Almejo o voo suave das madrugadas, o renascimento gritante da primavera.

São Gonçalves.
01/01/16
Este ano não há natal, a casa da memória, o lugar mágico dos natais da infância, acorda todos os dias de cinzento e bruma. 
Desabitado o quarto e a sala, as camélias já não florescem, nem os jarros por baixo da janela alegram a viela com sua alvura singela. 

Há no centro de casa a dor permanente da ausência, sombras, vultos,memórias a habitar o espaço. 

A casa da memória perdeu o mistério do natal.

São Gonçalves.
Ainda que a casa permaneça vazia
Há um terreno de alfazemas 
A lembrar a presença da ternura!

Na longínqua memória 
Abraço o perfume da pele
No deserto da saudade!

São Gonçalves
São tantas as portas fechadas, mundos desconhecidos a descobrir. 
Quem saberá o segredo da fechadura ?
Quem ousará transpor o silêncio do vazio ? 
São Gonçalves
Sinto o tempo passar implacável
O vento norte a beijar o rosto e a folhagem, é outono, as cores sedutoras esmaecem num terreno lavrado. 
Revolvo o húmus da terra, vou ao mais fundo da transição da terra, descubro as raízes e o caudal transbordante de energia, a força trascendente da mãe. ..
É frágil a condição humana na sua efémera passagem. 
As estações sobrepõe -se 
Os amores nascem e morrem
Os leitos de folhas secas amaciam o chão, alimentam os pássaros.
De nada serve lamentar a passagem do tempo
Se souberes contemplar
O divino na luz errante de lua.

São Gonçalves
Saúdo o entardecer no espelho das águas, no bailado colorido das nuvens envolvendo o céu, como um abraço, como o descodificar de símbolos, numa linguagem de luz e de sombras.
Não há vultos, nem vozes, apenas o som da brisa soprando aos ouvidos da cidade uma canção melódica, finamente orquestrada nas harpas dos deuses.
É este entardecer que me acalma e me embala como o berço do rio que me viu nascer.
São Gonçalves.

Foto - Edite Melo.
 
Na verdade é a ternura que resta no olhar silencioso e nos gestos de uma criança. 
Quando a memória nos trás de mansinho as cores de outono, ou o brilho das horas ingénuas. 

O tato é também um baú de lembranças de onde tiramos a doçura de uma manhã luminosa de inverno. 
São Gonçalves.
Por onde andam os homens do futuro?

O presente é um templo sem nome
Homens de cabeça perdida
Construindo castelos no vazio do espaço
Uma muralha erguida de luzes e sombras
Cidades emergindo de guerras ancestrais

Ardem ao longe fogos imensos
O calor de astros longínquos
Num manto de fino de neblinas opacas.

Trazem a vida e o futuro nas mãos
Os homens vestidos de ausências e utopias
Trazem os astros
A claridade dos sonhos
O aconchego das luas claras…

Por andam os homens do futuro?
Esses que que ainda carregam nas mãos
Os segredos das luas cheias
A transformação dos ideais e das crenças
Numa terra à deriva!

Homens de mãos cheias de ternura e de luz!

São Gonçalves.
Abandonas por momentos esse teu sono eterno, 
Chegas devagar 
Tão misteriosamente silencioso 
E abraças - me 
Trazes contigo o sabor da eternidade 
A brandura e o aconhego
A nostalgia dos abraços que me deste
Outrora
Nas auroras da nossa juventude
Em manhãs pardas e azuladas
Trazes côncavas as mãos
Plenas de ternura
E de fugidias lembranças.

São Gonçalves
Era o rosto da nostalgia, esse olhar ausente de mundos, essa carga subjectiva de tudo. 
O passado e o presente, a ausência e a presença. 
De nada servia tentar ser de outra forma, os deuses decidiram que seria assim. 
Capaz de carregar o mundo e as dores alheias na força das palavras, também se perdia em fragilidades imensas, saudades do tempo que nunca fora. 

Ėbria de mundo, guardava num cofre de contornos invisíveis os mistérios da sua nostalgia.

São Gonçalves.

Conto os minutos, as horas, os dias, os meses, na ponta dos dedos, na fragãnçia de um pensamento solto ao vento. 
Na nudez do espírito, aparto as luzes intensas do ego. 
Deslizam na palma das mãos palavras e silêncios, e com as cores do sol pinto as sombras de uma luz ténue e duradoura.

São Gonçalves
Contorno o vazio do campo com o silêncio do mundo
Pedaços de ternura soçobrada no tempo e no lugar
Uma canção de místicos anseios
O palpitar de um pássaro ferido, um voo rasante e mudo
A terra que gira ao redor d universo
Em passos lentos para morte
Bradam os passageiros por sol e mar
Pela ternura de uma brisa fresca e selvagem
Das florestas virgens…

Ah! Terra mãe, irmã, grande deusa da fertilidade esquecida
Ensina aos homens o nome das plantas e dos frutos
O suculento acordar da purificadora esperança!

São Gonçalves.

Foto-Camilo Rego