O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

domingo, 11 de dezembro de 2016

Mesmo que a minha ausência tenha sido motivo de vazio, de desencanto, nunca a tua ausência foi um sentimento de plenitude como o presente. 
Porque a lembrança é o melhor antídoto para a lucidez. 
São os dias que marcam a chegada e a partida que asseguram a lembrança e a continuidade da memória.

São Gonçalves.

Foto - Camilo Rego
O que fica depois da partida 
É tão só um corpo esperando 
A casa vazia 
No coração a nostalgia 
A esperança moribunda 
Rondando o espaço.

O que fica depois de ti
O odor da terra
O toque de nada !

São Gonçalves
A sensibilidade e a intuição não se aprende , não se explica, não se transmite. 
A sensibilidade e a intuição, são inatas, 
Interiorizam - se no silêncio das palavras, 
No saber olhar o mundo e os outros sem nada dizer. 
Olhado, sentindo ! 

São Gonçalves.
Suspenso no limiar indizível do horizonte, um murmúrio de luz, anúncio de um lugar 
Sem medos 
Sem o ensurdecedor escavar dos dias ! 

São Gonçalves 

Foto - Ludmila Mernková

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Viver intensamente, não é só viver como se não houvesse amanhã, é também saber partir quando se tem de partir, não ter medo dos lugares vazios, não ter medo de deixar para trás o que amamos, e sobretudo o que já não nos diz nada. Aprendemos o desapego com os anos e as ausências, e isso às vezes magoa quem nada entende de vazios!

São Gonçalves
É tão grande o céu
Esta imensidão de azul
Espraiando-se na volatilidade do tempo.

É tão grande o sentimento 
que nunca se quebra
Na fragilidade de um chilrear sereno.

É tão grande o horizonte
Mar de sonhos e de vontades.

São Gonçalves.

Foto - António Mattozzi
Não sei se ainda me esperas nesse lado do oceano
O silêncio encostou -se vagarosamente no leito das águas.
Já não te oiço do outro lado da porta, os muros tornaram -se espessos e os meus braços já não tem força para te abraçar.

Mas eu ainda te sinto quando chegas devagar 
Ocupas as noites e os sonhos
Sussuras palavras de alento .

Deste lado, na margem sul do meu desassossego, contemplo o voo das aves, o marborizado crepúsculo primaveril , espero -te
e não ouso a travessia.

o vento beija -me o rosto
assinalando a tua presença.

São Gonçalves.

Foto -Alicia Haro.
No meu mais intimo silêncio guardo mil tesouros de ternura
colos envolventes ...refugio secreto de abraços incontidos
no tempo....no espaço ...na memória.

Guardo o desejo de me perder no infinito dos teus olhos,
na doce fragância do teu regaço.

Se ao menos ainda te soubesse a rosa e o roseiral que se estende
na planície secreta do meu viver
a coragem dos dias sem esperança

Se te soubesse brisa de um beijo, a calmaria dos dias agrestes
a força invencível nas horas de tempestades
na solidão a luz que ilumina as trevas...
.
Se eu pudesse encontrar no teu colo a luz e a serenidade da infância!

No meu mais intimo silêncio ainda guardo o teu sorriso
o som límpido... a tua voz ...tatuada nas minhas mais profundas...secretas
viagens ao meu mundo de criança.

Hoje, é dentro de mim que se abrigam todas as esperanças do futuro
Toda a luz e todo colo, toda a imensidão do mar e toda a vontade de ser barco
A ancora dos meus barcos, a firmeza no navegar.

São Gonçalves.
Na fragilidade dos dias
Tento a travessia
Em pequenas embarcações
De velas caídas.

Ensaio os gestos
A medo agarro as palavras
Os signos e os símbolos
Os códigos invisíveis
Da passagem terrena.

Ensaio os silêncios
a medida do pranto
O indizível destino

A fragilidade das marés !

São Gonçalves
Se ao menos eu soubesse descodificar os enigmas do mundo ,a força vulcânica que fervilha no ventre da terra, o equilíbrio e o caos a germinar novas cidades. 
Saber da sombra e da luz, conhecer murmúrio do vento, 
Sentir a alquimia transcendente dos grandes homens. 
traduzir em palavras o toque do ouro a corromper os espíritos, a cobiça a sujar a mente e as mãos. 

Se ao menos tu pudesses pintar a realidade com a exuberância das cores das estações,
Penetrar no ego e no coração dos homens, insuflar a delicadeza nos corações impedernidos.

A terra a esconder a sombra abstracta dos desejos
A terra a jorrar nas suas crateras o mito primordial da luz

O olhar doce dos anjos.

São Gonçalves

Tela - Edite Melo

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Agarro nas mãos a força de todo o desassossego, essa vibrante inquetude do tempo que passa. 

Maravilhada de sentidos, toco docemente a filigrana das paixões, esse toque de doçura e áspera ternura aflorando a superfície da pele. 

Sinto na minha pele o poder transformador das palavras, a semiose a trasntornar o sentido do sol e da luz.

São Gonçalves.
Cai a noite, devagar no espelho das águas. 
Aconchega -se o silêncio a um abraço tímido nos troncos das árvores. 
Não se ouve o chilrear dos pássaros 
Nem o som dos passos. 

A lua vigilante e companheira
Abriga -te da solidão .

Trazes a noite nos braços e só tu sabes que alguém te espera na invisibilidade do tempo.

São Gonçalves.

Foto - Luis Jesus
Diz -me dos dias e das dores da terra, 
Diz - me do útero acolhedor e eterno, 
Diz -me das chuvas e dos vendavais, 
Diz - me do silêncio 
Do murmúrio das fontes 
Dos passos na folhagem da floresta
Diz-me do cântico dos pássaros
Da beleza singela das flores.

Diz -me da beleza do mundo
E eu mostro -te as dores do povo
O lado errante da vida !

São Gonçalves.
De que nos serviria a luz se não soubéssemos contemplar a sombra ? Esse avesso de nós, o duplicado invisível do corpo, da alma, dos gestos.
O avesso da materialidade, a contemplação do vazio. ...

Às vezes, tantas vezes, é a sombra de nós que se reflete nos muros, no chão, no velho espelho da casa, que nos diz da profunda realidade, da vontade de ser um gesto, uma palavra, a voz e o silêncio domundo.

O desenho dos contornos da matéria, o corpo silenciado na finitude , a precariedade avassaladora dos dias, a direcção do infinito.

São Gonçalves.

Foto - Ana Souto DeMatos.
Insinuante o bailado das águas 
Os traços de luz girando 
Na força do vento . 

Corpos azuis divagando 
Na superfície aquosa
Sensuais os movimentos
Imagens líquidas
Flutuando no espaço.

Aquieta -se o pensamento por momentos,
Aspira-se a cor e a luz.

Intensificam -se os sinais e os signos,
Acalma -se o fervor das águas, as tempestades
E volta - se ao sentido primordial do mundo.

SãoGonçalves. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O movimento da luz arranca-me ao torpor dos dias cinzentos, rasgo o ventre da terra devagar, a solidão abriga-me das tempestades. Trago na memória os dias ensolarados da infância, esse murmúrio de vozes e de sons, de melodias embelezando o espaço. 
Sinto-me Perséfone vagueando pelos prados, colhendo flores, sem sequer precaver o perigo.
Sinto a luz renascendo das trevas, o toque da tua mão forte arrastando-me nos campos, soprando o fulgor da vida.
Não há homens, nem mulheres, somos apenas duas almas vagueando num ermo estranho.
É a tua voz e a minha ecoando sobre as montanhas, é o mundo de signos a renascer do inverno, do que resta do frio e da geada.
Esqueço de tudo, do que fui, do que sou, desse amontoado de palavras que designam uma alma em construção, esqueço-me do mundo, das errantes caminhadas sem evolução.
Renasço no coração da terra, insegura, frágil, sensível,
Apenas a voz da primavera me comove
Apenas o som do silencio me consome!

São Gonçalves.

Foto-Ana Souto de Matos.
Distancia

Arranquei ao poema a luz
Desviei os olhos das palavras
Doridas
Amarguradas
Soletrei nas ausências palavras soltas
Amores desgastados e ausentes
Guardei num baú de madeira
Os sonhos
O cheiro das flores e do feno
O cheiro dos corpos
Da maresia!

A mulher que vejo ao longe, já não me diz nada
Nem dos silêncios, nem do sabor do sal

Entre mim e ela
A invenção da distancia
Alojou-se devagar nos poros.
Rasgou-se a carne e os panos de tanto esperar
Nos olhos desenhou-se o pranto
E a distancia se fez a-mar.
São Gonçalves.
Demoro - me na placidez do azul matinal, numa espera primaveril de luz clara. 
Demoro - me no abraço silencioso que me dás, na presença de um perfume de acácias. 
Demoro -me na lembrança da velha casa de infância, no odor da terra lavrada. 
Demoro -me na imagem na plenitude da ternura. 

São Gonçalves.
Como não amar a fragilidade, o silêncio, o deslizar manso das águas pelas áridas serranias ? 
Como não sonhar com a luz da madrugada, com a esperança de um acordar sereno e feliz ? 
Como não sentir na pele a carícia do vento?

De tantas e pequenas coisas me transformo, no brilho das águas, no espelho quieto das memórias , no abraço silencioso das árvores, no brilho das estrelas errantes ! 

De cinza me visto e me faço mulher madura.

De madrugadas claras acalmo os anseios de futuro.

São Gonçalves

Foto - Ana Souto DeMatos.
É aqui que renasce a esperança 
Na serenidade crepuscular das coisas invisíveis 
Nesse abraço gigante ao horizonte 
Nesta luz silenciosa 
Nesta cidade de sombras pacíficas ! 
É aqui que se abraçam os deuses
E se abatem sem piedade os temores !

É aqui que se movem os dias
E se adormece os cansaços.

São Gonçalves.

Foto - Graça Feijó.
O que é um dia pleno ? 
É um dia onde moram os desencantos e a esperança nas palavras que não formam eco. 

São Gonçalves.
Nada me trás a eternidade 
O corpo grita 
O desassossego sombrio 

Não sei se é de ausências 
O tremor da pele

O abismo negro das noites

Pudesse ouvir a tua voz
A sombra do teu corpo
A derramar centelhas de luz
No meu peito.

Pudesse fugir da inevitável melancolia
Deste abismo invernal
Onde me percepito !

Pudesse silenciar todas as memorias
E ser náufrago num mar inventado.

São Gonçalves.
Olhares.

É por dentro que observo o universo
Num olhar silente e mágico
A alegria a colorir a manhãs
E o pranto abraçando as noites!

Minha alma é feita de mil retalhos
Afetos desnudos
Num labirinto de cores exóticas

É por dentro que o olhar é mais denso
Terra lavrada a sangrar
Ou a esperança a renascer
Nas manhãs orvalhadas.

O mundo é tão cruel e distante
E só a solidão me ilumina
O olhar cansado de multidão!

São Gonçalves

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Silêncio é a palavra 
O mote do desalento 
Chove lá fora 
As mãos vazias 
Sopra o vento 
No coração !

Agarro ao peito
Pedaços de luz
Iluminando a escuridão !

São Gonçalves
Inauditos os dias sem luz 
O corpo franzino a contemplar o mar, a nostalgia palpável na obscuridade da noite, a segredar -te reflexos ancestrais. 
Quieta, a respirar do fundo toda a energia do oceano. 

Já não conheces o caminho certo para a luz. 
Liberta -te
Gritam as vozes que trazes dentro do peito
Liberta-te
Ouve o canto dos pássaros, e o gemido das acácias
Sente a brisa da primavera
Corre
Desfaz as amarras do medo
Grita com a força das gaivotas em dias de tempestade

Não esqueças da renovação na festividades da primavera.

São Gonçalves.

Imagem- will Barnet
É preciso coragem sim. É preciso coragem para ir em frente, para sentir a vertigem do vazio, e mesmo assim, encontrar palavras, abrandar o ritmo do coração, fechar os olhos por momentos, indagar os deuses e a força do universo, e deixar o instinto fazer o resto.
São Gonçalves.

Foto-Yaroslav Gerzhedovich

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Invade - me este sentimento de assombro diante da grandeza do universo, esta incerteza que nos consome os dias, as noites, as estações. 
Debaixo do sol, tanta vida a germinar lentamente na passagem do tempo , o medo e a coragem a trespassar a pele na efémera passagem das horas. 
Contemplo a beleza do espaço, a a força primordial a acalmar o medo que invade a cidade. 
Ambíguo este sentimento a um espaço que já foi ventre, que já foi colo, o princípio de tudo.

Resta -me esta beleza a transgredir o estado natural das coisas.
Resta -me a plenitude de um sol a beijar o crepúsculo da tarde.

São Gonçalves

Foto - António Lopes Martins.
Em silêncio se estendem matizes de luz, em silêncio se constroem cidades.
É em silêncio que nasce o poema e a utopia nascente.
De imagens do passado, de uma viagem ancestral, te vejo erguer em colunas de azul.
Na encosta do mundo, ali permaneces entre a frágil essência humana e a camada etérea de luz iluminando o espaço.
Na opacidade da rocha, surge a força de equilibrar os sentidos, filigrana a querer desabar, sustida apenas numa amálgama de astros cintilantes. 
Da rocha, amplifica -se a memória, e o tempo gasto.
Desse tempo ancestral, apenas os ecos de luz trazem ao corpo endurecido retalhos de plenitude.
São Gonçalves.
Tela - Edite Melo.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Dia internacional da língua materna.

De ti a vida e a luz
De ti o ventre e o silêncio
O caminho e o encanto 
A música e o canto
De ti o começo
O recomeço
A prosa e a poesia
O desabrochar dos dedos
Da silente alquimia
De ti a maternidade
O nascimento e identidade
De ti a pátria
De ti o começo do entendimento
De ti. ...
Todo o conhecimento.

São Gonçalves.

Eu podia mostrar um outro lado da vida 
Dar uma de snob, só falar Francês 
Mesmo com defeitos 
Vestir Chanel 
Usar sacos da vuitton
Eu podia ser outra.
Ser outra ,ser maior as olhos do mundo.
Dizer que leio Hugo ou Proust
Rimbaud ou Malraux
Ao contrário
Leio Pessoa
Eça e Camilo
Eu podia mostrar o outro lado de mim, o outro lado da vida.

Sou Portuguesa, e para mim isso é tudo.
O olhar de nostalgia
A minha língua,
A minha identidade
O meu princípio
O meu fim.

A raiz e a nascente
A luz e a eternidade.

São Gonçalves.
Na geografia da ausência 
Ultrapassas o silêncio e o medo 
De vales e montanhas 
Ensaias um salto no infinito 
O mundo não é grande quando o atravessas durante a noite 
E de mansinho me abraças
Sem palavras .

Trazes contigo a luz e a esperança
E ao acordar
O meu mundo é menos tortuoso.

São Gonçalves.

Foto - Abe Blair.
Diziam -lhe que se tinha fechado, costurado a vida em pedaços, fragmentado os afetos. 
Diziam -lhe tanta coisa. Os homens sabem sempre tudo, sem nada saberem. 

Mas ela escondia - se nos movimentos inadequados dos seus passos, na quietude das palavras, no sentimento incarcerado à séculos dentro da pele.

Os homens sabem tão pouco do silêncio !

São Gonçalves
Tocar o silêncio com os dedos , sentir a dor a soprar no peito, 
O pesadelo do mundo, a vontade asfixiante de realidade. 
Essa crueza a invadir o pequeno quarto. O corpo exausto, 

O rodopiar cristalino da respiração 
O ardor da solidão
Inscrita na pele
Na ponta dos dedos
No embaciado da janela.

Olhar o mundo lá fora esperando por ti, a ausência das palavras

Da tua boca nada floresce
É inverno no corpo e no descampado do espaço onde gravitas. Ouves os silvos do vento, cordas musicais a vibrarem dentro peito.

Na ponta dos dedos o silêncio desenhando a coreografia do vazio.

São Gonçalves.
Há uma ferida sangrando no canto da casa, 
Um aflorar fininho de dor 
A nostalgia a invadir os sentidos 
Devagar 
Tão demoradamente inquietante
A sombra de ti, de mim
Os gestos silenciados no tic tac das horas.

Há uma lembrança de toque
De sabor a beijo
Há um corpo cansado
Alquimia de desejo.

São Gonçalves.
Insondáveis os desígnios da natureza, esse desassombro inexplicável de divino, 
Essa luz, vigília dos mais soberanos cansaços.

Para quê questionar o que se sente
Telepatias profundas a sondar a mente, se é neste mistério divino que tudo se resume. 

O silêncio a acalmar os mais variados anseios, a luz a iluminar as trevas, a coragem a renascer por entre as tempestades.

contemplo a âmbar do céu, essa tonalidade doce de sabor a mel e canela, e sei neste momento que tudo faz sentido

O corpo e o espírito desenhado na aproximação ao divino, a luz crepuscular e iluminar os sentidos.

São Gonçalves.

Foto - Graça Feijó.
Escrevo-te no meio do turbilhão dos dias, neste descampado de silêncio,
Escrevo-te com palavras simples
Como é simples o sentimento que nos une, que nos aproxima.
Procuro-te na escassez do tempo, na precaridade das horas
São imensos os silêncios, as ausências
As minhas …
És -me necessário, és o equilíbrio e o refúgio
A saudade do mundo construído de sigilos

És a memória do tempo partilhado na infância
As gargalhadas inconscientes da juventude

A ausência e a pertença, o tempo dos abismos e do amor!
A singularidade generosa!
O tempo dos afetos e dos mistérios
O laço e o abraço!

És amigo!

São Gonçalves
Guardas do dia a luz
Num sobressalto 
Escondes toda a tua nudez
Vagueias pelas noites escuras 
Perdida na voracidade da noite
Na tua sombra
Corres, avanças, sem medo
O abismo não te amedronta
As noites sem claridade.

Guardas uma metade de luz
Uma metade de sombra

Um pedaço de vida
um pedaço de morte
Um corpo cristalizado entre as profundezas
E a noite cerrada.

Aceitas o estremecer do corpo
A penumbra a desfazer -se
As horas, os dias, as semanas
A metamorfose das estações.

Suportas a alternância dos equinócios,
A magia enigmática de uma noite sem o beijo prateado da lua.

Agora, lua nova, mensageira dos mais soberanos mistérios sagrados.

São Gonçalves
Maquilha - se a dor e o medo 
Veste -se o rosto de véus 
De tons de cinza e preto. 
Esconde -se o grito e a palavra 
Num gesto mudo 
Escreve - se a vida
A dor da carne
A dor da alma.

De pequenos nadas se escrevem os instantes
É talvez a única maneira de resistência ao vazio.

São Gonçalves.
Já tinha sido assim com o seu avô, com o seu pai, todos os anos as águas galgavam as margens do pequeno rio e inundava a aldeia.

O rio a ignorar o tempo e os homens num desassossego invisível, a natureza inconstante invencível, a transtornar a organização das gentes, tudo tão precário na passagem do tempo.

A solidão a impor-se a despir as vontades e os desejos num tecido já frágil, a invadir os terrenos alagados transformados num mar de cor cinzenta escura. A aldeia votada ao silêncio das águas e à forte corrente do desespero.

Pela manhã o vento calmava o seu furor, a brisa matinal desenhava silhuetas na sombra das águas, o sol brilhava sobre aquele leito onde se escondiam os detritos de um rio voraz e violento. As mulheres ficavam em casa, as crianças subiam ao monte mais alto para contemplar a aldeia, esse mar inesperado isolando o mundo.

Era então que tu saías de casa, botas altas, o cigarro no canto da boca, e te fazias a esse mar de águas calmas. A bateira, pequena embarcação de três tábuas, fazia-te atravessar o espaço, o tempo, a memória. Com a vara, cortada aos salgueiros na última primavera, empurravas a bateira, empurravas a vida, e empurravas a tua própria solidão. O vento suave abraçava-te, puxavas de mais um cigarro e esquecias momentaneamente do teu propósito de vida.

Apesar de todo o avanço tecnológico, do tempo em que tudo se compra, tudo se vende, das grandes autoestradas a rasgarem e a dividirem os campos e aldeias, apesar da aproximação virtual dos computadores, dos telefones, dos grandes espaços comerciais, apesar de toda a transformação social e coletiva, aquele era um momento de conexão com o antepassados e o seu mundo presente.

Naquele espaço, com água a perder de vista, a aldeia isolada, um homem enfrenta a sua solidão e a sua frágil existência.

São Gonçalves

Foto-Luis Jesus
Nós não temos todos os dias o mesmo rosto, o mesmo olhar, o mesmo cansaço, a mesma vibração, o mesmo tacto. 
Temos sim, o mesmo silêncio, a mesma luz, a mesma força invisível. 

São Gonçalves.
São simples os gestos e a ternura 
A mão estendida na sombra da tarde ! 
São imensos os caminhos do coração, o silêncio de um sentimento sem dono. ...

São poemas os desígnios da natureza, metamorfose de uma tarde de outono ! 

São Gonçalves.

Foto - Camilo Rego
Nem sempre é tão fácil descodificar os sinais do cosmos, a mensagem dos deuses, desenhada na imensidão do espaço. 
Contemplo, olho, nuvens escuras , mensagens míticas da desesperança. 
E na imensa massa escura, uma luz clara desenhada a horizonte, trasporta -me ao silente mundo da luz, ao imenso momento de plenitude precária e efémera ..

São Gonçalves 

Foto - Edite Melo.
Na sombra do corpo 
Escuto o som da silente ternura 
Fogos ardem ao longe 
Aproximam-se 
Desvedam mistérios 
Tanto tempo
Tantas sombras internas .

Desenhámos a saudade nas cinzas arrefecidas.

Trocámos o sol e o silêncio
Pela brisa do fim de tarde
Acariciando os corpos

Rasgàmos as memorias e as coisas
Escondemos os sentimentos até à exaustão.

mas é ao fim da tarde que a luz do sol é mais intensa.

São Gonçalves

Foto - Luis Jesus.
Há uma tarde que se deita nos lençóis da pateira.
Cinzentos os céus, a vagarosa descida da luz a horizonte.
Não é mar, nem plenitude
É inquietação
Medo 
a maré cheia de sargaço
O limiar de todo o cansaço.
A terra acorda de madrugada
Presa por um leito transbordante
Não há vozes nem gemidos
Não há vento que amaine
A luta
Há um por de sol sereno
Na verticalidade da noite
Há um tilintar de campainhas
Esperando a calmaria da alvorada.

São Gonçalves

Foto - Tiago Paço.
Surge um oásis na aridez da serra.
Na passagem das estações, ergo - me despida no coração do xisto. 
São tantas as solidões que por mim se cruzam. A minha olhando deste lado o mundo. A dos homens perdidos nas encruzilhadas da serra. 
São cinzentos os ecos dos homens, vultos erguidos enfrentando as fortes rajadas dos ventos agrestes, nascendo do outro lado do monte . Sou testemunha do abandono, da vontade dos homens de viver uma outra vida. Vejo -os partir, carregando no peito a saudade. Colado ao corpo, o odor das urzes...
O inverno surge violento e agreste. Aqui debaixo deste céu claro e azul, comovo - me com o canto dos pássaros,com o som dos sinos na aldeia Com o violência da solidão da serra.
Aqui me ergo orgulhosamente, aqui despida de glórias acordo beijando o sol.

São Gonçalves

Foto - Camilo Rego.
Eu não tenho palavras que saibam desenhar o voo das aves
Esse encantamento atravessando o céu
Mas sei, conheço, sinto
O voo com que rasgo os dias e as noites
A esperança leve dos dias vazios!

Amanhã é outro dia
O espirito não descansa

Danço um bailado silencioso
Entre o apego às coisas
E a imaterialidade do mundo!

Quantos voos serão precisos para vencer os desafios da vida?

São Gonçalves.
Foto-Antonio Mattozi