O silencioso canto das aves migratórias

O silencioso canto das aves migratórias

quarta-feira, 25 de novembro de 2020


 Sentiu na palma das mãos toda a energia do universo

repousou os sentimentos na claridade das estrelas
e terminou abençoando os deuses
escondidos do outro lado dos planetas.

Sentiu por baixo dos pés descalços
a areia morna entranhar-se na pele
o calor imenso do ventre do mundo
lavas ardentes, entranhadas nas rochas.
A enorme força da terra escondida debaixo
das cinzas dos vulcões.

Envolveu- se na silenciosa conjugação dos astros
abraçou num longo abraço a terra, o mar, a densidade lunar
E no caos interior dos corpos observou toda a finitude da existência.


 Cultivava o desapego nos dias, nas longas noites insones, na passagem das horas.

Sentia o toque suave do fumo, aspirava devagar o aroma do cigarro. Esperava o efeito apaziguador atravessar o seu corpo frágil.

Nessas longas noites brancas ensaiva a dança entre os seus dedos macios com a volatilidade das sombras e da luz.

Nesse desprendimento de si e do mundo julgava fundir-se num só gesto ao derradeiro sentimento de pertença.

Corpo e espírito em sintonia com os prazeres efémeros do mundo.


 O que diriam os Deuses, os mitos, os fundadores das grandes filosofias ancestrais se nas cores sentissem transfigurada a sabedoria do mundo?

Contemplo a cidade abandonada e procuro nela um refúgio.
No silêncio crepuscular sinto- te presença, habitáculo da esperança, luz protectora no desamparo.
Somos almas em sintonia!
Herança de um passado longínquo!
Na cor, no traço, na transmutação da mensagem semiótica, há a sombra e a luz da natureza divina.
A arte ao serviço da imaterialidade do pensamento. É nesse espaço, silencioso e imutável que nos cruzamos.
Duas linguagens a completar- se.
Sintonias antigas a surgir na ponta dos dedos. A cor e palavra a desenhar um mundo e a cidade de pertença.
Sinto que já fizemos parte desta paisagem.
Fomos vida, forma, espírito.
Volto sempre a estas e a outras tonalidades que na abstração do pensamento materializas. E, nesse espaço, sou luz e sombra. Passado e futuro.

Encontro- me silenciosamente no teu mundo abstracto e profundo.


 Passo pelos dias como se a vida se materializasse numa intensa caminhada de peregrino na terra, onde, por vezes, tento me esquecer do cansaço, abandonando o corpo ao equilíbrio das estações. ao ritmo ascendente dos anos.

Procuro na força da terra, na aridez da rocha a vitalidade da árvore, a pacificadora alquimia das madrugadas.

Talvez um dia a força criadora seja a linha que separa as rotinas do corpo que afasta o animal caminhante, da luz redentora e divina. Num pequeno instante de êxtase, num espaço de oração, de encontro , de partilha, de libertação, sinto a força redentora da vida.

E, na transmutação dos elementos veja surgir a alma do mundo, a que julgava perdida, esquecendo a canseira das horas, o desencanto do mundo.

Sentindo-me, assim, uma luz peregrina da vida.


 Uma particula de sol.


Guardou num cofre o que há muito trazia, consigo: as imagens desfocadas que lhe povoaram os sonhos,
as memórias enfraquecidas ao longos dos anos.
Aprendera que as lembranças eram um peso desnecessário
O que fora, o que havia pretendido ser...
Queria, agora, esquecer os trilhos em que caminhara, os leitos desfeitos e frios dos amores ausentes.
Só o instante presente importava,
mesmo que tivesse de, muitas vezes, arrastar o corpo cansado, entre luzes e sombras, entre palavras e silêncios.
Era assim que vivia, tantas vezes, entre a sombra da memória, o corpo e a voz calados, e a luz que teimosamente perseguia
- Era cem vezes melhor viver nas sombras do dia, no silêncio pacificador e redentor, do que ser a luz que cega o olhar- pensava !
Muito pouco do mundo e dos homens, importava. Tinha conseguido aquilo que procurara durante toda uma vida.

Aprisionar uma partícula de Sol na ponta dos dedos. Alcançar a energia do universo que trasmuta, a força da luz redentora.

Neste sentido, sente- se sempre presença em lugares desabitados, coragem num mundo descrente, calor e luz a atravessar as almas,
e sente-se, um pequeno ponto brilhante nos caminhos dos que consigo queiram partilhar a mesma estrada...

Por vezes, a claridade nas suas mãos será tão intensa que atravessará os pequenos espaços alcançando uma dimensão maior.
Tornando-se um ponto brilhante no infinito,
palavras soltas, guias de novos olhares
dos peregrinos em busca de fé, de cura, de redenção.
E será, também, calor, alento , esperança.
Um abraço que acalma a tormenta.

E será sempre uma partícula de sol, no olhar dos que quiserem acreditar...


 Dos espaços vazios e das ausências nada sei.

A luz ainda ilumina o coração da casa.
Há espaços assim.
Plenos de silêncios!
Plenos de memória!
Presenças invisíveis, pequenas estrelas cintilantes.
Espaços de poesia!

Às vezes gostava de não sentir tanto e tudo tão intensamente! Os que partem , os que chegam, os que são presença e aqueles que se fazem ausência.
Não sentir tão intensamente os silêncios que magoam, ou as palavras que ferem!
Não conhecer o gosto amargo da injustiça e apenas saborear o doce sabor dos abraços.

Às vezes gostava de ser, apenas, rocha dura que nada sente. Ficar impassível olhando o passar do tempo, a passagem das intempéries, das estações.

Mas não, o seu destino é sentir, sentir tudo tão intensamente que até dói!
E essa é a mulher que mesmo assim continua... só ou acompanhada...mas não desiste.
 


 Tudo é efémero!

De pouco valem as minhas palavras este sentimento de querer o silêncio nas minhas mãos, esta vontade de tocar o infinito, a luz, a energia do universo.
A libertação no impulso das vagas, no sal do mar! Contemplar a imensidão do céu , tocar horizontes dentro de mim, até chegar a ti.

Sentir este imensurável terramoto no meu meu peito, olhar de perto as anunciadas tempestades que se agigantam no teu corpo. e ainda assim ver a forma solar!

E ver o teu corpo a vibrar nas minhas mãos como o vento, a cor laranja do lusco -fusco a entrar -me pelos sentidos, procurando um local de abrigo

Tudo é efémero, os meus dedos ensaiando gestos de ternura no teu, o esboço de um poema que nunca se escreveu.

A alma e o corpo feridos de silêncios...
Efémero o mundo, a dor , a vida
A curbatura das marés nos cílios da dor!

segunda-feira, 23 de novembro de 2020


 Sonhou a transformação nas palavras, nos gestos de ternura, na linguagem das manhãs! Sonhou a vida tão simples, tão fugazmente singela.

Com as mãos a escrever o mundo!
A contagiar silêncios e metamorfoses
A transportar para dentro o que de melhor intuia na humanidade. Lia os ensinamentos ancestrais, consultava os oráculos de luz. E na palma das mãos lia a cartografia do assombro.
Porém, os homens carregam todos o mesmo destino!
Lembrava-se, por vezes, de contrariar as rotas, de forjar por dentro a direção da luz.
Eram escassos os momentos de plenitude. Cruzava-se com eles nas páginas de um livro, nos momentos de movimento interior.
Sabia- os fugazes, intensos, verdadeiros.
E só isso bastava para desenhar na palma das mãos a simbologia da liberdade.


 Não há estranheza nas sombras da tarde, apenas a complexidade da luz exala um perfume de paz.


Não há escuridão sem a presença da luz, essa dicotomia de seres e de almas.
A impermanencia da matéria a materializar-se no espaço abrangente.

Luminosa a cidade quando a claridade crepuscular abraça os sons do mundo.


 Não sei se morri ou renasci num mundo cravado de injustiças.

De longas reflexões me fiz poeta, num terreno à mingua de abraços
A palavra seria a pedra preciosa cravada no meu peito
o oásis de mil anos de clausura!

Não sei se foi a sede de absoluto que procurei, de longas errâncias para aplacar a solidão!

Não sei se me vesti de filosofias,
de pensamentos imaginários ou de lutas inglórias!
Apenas sei que lancei novas metáforas ao mundo
e abracei os desígnios num tempo mais humano!

Humana era enfim a palavra
que me abraçava nas noites insones.


 Desdobram se os dias e os silêncios. A inquiétude surda dos desejos. A palavra exilada, as bocas fechadas.

Só o olhar intenso subsiste !
Há os livros e uma mulher à procura da metáfora justa.
Há o tecer e o (des)-tecer das horas. O relógio da parede a marcar a constância da passagem do tempo.
As mãos sempre ocupadas.
Os deuses a cumprirem os desígnios da existência.
Já se tinha esquecido da semântica de regresso.
Terra, casa, colo, fonte!

Acolhera, mais uma vez, o sentido da distância !
O olhar a perscutar o horizonte. A voz calada.
As mãos, tecendo, fiando!
Fazendo e desfazendo a manta do esquecimento.


 Existe uma certa distância entre o mundo e eu!

Um silêncio que venero, um poema ainda por escrever. Um sentimento aberto ao desconhecido.
Há um certo mistério nisto tudo, neste encantamento ilusório. Neste distanciamento desejado.
Um voto de confiança ao meu mundo interior e misterioso.

Uma vaga de água salgada a beijar -me , por vezes, o rosto.

Um dia vivido de cada vez!
Um corpo balançando-se nas águas calmas da existência.
A contemplação cativa do horizonte!


 Inventam-se rotas novas no devir. A noite acalma a febre das palavras.

Os passos lentos percorrem os trilhos da noite.
Ecoam no espaço vários idiomas. Homens e mulheres na estrada da vida procurando um sentido!
Não há mãos dadas, nem abraços!
Apenas os sons nocturnos abraçam o espaço.
Lembro- me de Sisifo de Miguel Torga " recomeça se puderes ".
E todos os passos são no sentido desse interminável recomeço!
Aos ombros, os homens carregam o peso da vida e do destino.
E todos seguem na senda da noite clara e morna de Setembro.

São os trilhos da noite!


 Há tanta serenidade no silêncio !


A claridade luminosa no murmurar de um oceano de águas cristalinas !
Procuro a paz nas coisas simples !
No brilho do olhar de um amigo. Nas páginas de um livro a descobrir.
É na sublime presença dos raios de luz matinais que a vida ganha sentido.

Há tanta serenidade na conexão com a natureza!

Contemplo as diferentes tonalidades do verde. Escuto a musicalidade das formas.
A profundidade sombria a contrastar com a sobriedade clara à superfície das vagas!

Diria que tudo se explica na simbologia das águas, na linguagem mítica dos oceanos.


 É assim que me dizes da tua luz!

Desse céu, desse mar que trazes nos olhos!
É assim que me sussuras segredos, num lamento murmurado.

É assim!


 Os dias sucedem- se entre a luz e as sombras

Entre a leveza do ser, a claridade das manhãs e a matéria, convocação da noite!
Entre a realidade que nos prende os gestos e o sonho de plenitude!

É esta a força da vida, a vontade de regresso ao paraíso perdido!


 Do diálogo interior criou um mundo. Não era difícil construir um universo baseado na força da natureza. Um lugar sagrado. Tinha para isso convocado a energia mágica das árvores.

Tinha escutado o silêncio da floresta, conjugado as narrativas ancestrais com o seu interior feminino.
Eram vozes de outros tempos. Vozes arrancadas à força da sua natureza. Outras eras, outros seres. Rituais iniciáticos a conjugar o passado e o presente.
Por vezes as memórias desse tempo eram agrestes, traziam à superfície a força mágica da mãe terra, a ferocidade dos elementos.
Ébria de lucidez sabia que tudo tinha um propósito.


 O silêncio aproxima-nos profundamente de nós, do nosso lugar no mundo e do papel do universo na nossa existência.

O saber vai paulatinamente dando lugar a outros questionamentos, intuições, emoções desdobrando- se no burburinho do quotidiano.
O processo de aceder ao conhecimento é muitas vezes doloroso, intenso, torna- se necessário caminhar para dentro, em silêncio, como um eremita solitário sondando os lugares inóspitos da sua montanha, do seu deserto. É um processo contínuo. Surgem outras dúvidas, outros obstáculos, encruzilhadas.
A preserverança e a lucidez são os companheiros mais fiéis da infindável procura!


 Há dias em que a vida teima a mostrar o lado sublime da existência !

É um amigo que chega
Uma palavra que abraça
Uma melodia que embala !

Dentro do absurdo do quotidiano a simplicidade das grandes almas, a luz do olhar de quem enobrece os gestos !

"As tuas palavras são musica"

Emudeco perante tanta generosidade.
Talvez, talvez as palavras queiram sublimar a nostalgia dos dias solitários!

Será esta a poesia do quotidiano ?

Diria que o sublime reside em ti, nos acordes com que preenches os teus dias. Sei que também eles são de luz e saudade.

De pedaços d'alma.

De pequenos momentos tricotamos as memórias. De instantes juntamos os fios invisíveis !
De música e poesia sublimamos momentos e os afetos


 Contemplar a madrugada!

Encontrar nela os sentidos e a direção do dia, agradecer a luz e a beleza da vida!
Nem tudo são bênçãos, alegria.
As datas são por vezes marcos, sombras a estilhaçar o brilho das manhãs, mesmo assim, tudo encontra o seu lugar na simbologia da árvore !


 Caminho agora num tempo novo.

Derramei na terra todas as lágrimas da longa noite sombria!

O corpo frágil balançando-se entre a geogragia dos afetos e o mapeamento de uma nova direcção. A alma nua! Da longa noite guardo o profundo conhecimento da matéria efémera.

Há um tempo para nascer e há um tempo para morrer.
Há um tempo de trevas e um tempo de luz

Guardo a memória da finitude, a mágoa a flutuar num limbo sombrio.
O toque dos lençóis frios e amarratados, a ausência do corpo aquecendo as noites e os sentimentos.

Procuro a luz, a energia profunda da terra e das árvores. O sentido da vida.
O corpo ajeita- se a uma nova cartografia.
Os passos são, ainda, incertos!


 Entro no teu olhar como num mergulho no mar.

Luminoso, verde cristalino como as enseadas marítimas. Nele me perco, me confundo!
Leio os silêncios,
Espero!

domingo, 22 de novembro de 2020


 Vivo o presente com um sentimento de plenitude. A engrenagem dos dias avança silente! No meu caminho não sinto mais o peso do passado, nem o desejo de futuro. Só o agora importa.

Há um mundo louco a decorrer lá fora. A decadência dos homens é visível nas palavras e nos gestos. O medo passeia- se pelas longas avenidas das cidades. À força de explicação, o mundo perdeu a razão.
Sinto prazer nas pequenas coisas. Dou a mão aos personagens que habitam nos livros. Companheiros dos momentos de exaltação e de torpor.
Quero esquecer o ruido lá fora!
A amargura da falta de amor e compaixão.

Deixo o tempo passar por mim...


 Sigo a luz que me guia!

Num passo seguro agradeço aos deuses a dádiva do momento presente.
São pacificadoras as palavras e os gestos. Calmas as auroras onde descubro os encantos da existência. Diria que o deslumbramento é apenas o que advém da grandiosidade da plenitude.
A linguagem é apenas um canal de comunhão com o mundo. Calei a polifonia das vozes exteriores.
Os meus dias são plenos de silêncio.

Sigo a luz!

Nada ou quase nada me confunde os sentidos.